Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos

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10/02/2014

“Vaidade no Feminino”, Beth Bittencourt


Entrevista Beth Bittencourt
Maristela Sena – “Vaidade no Feminino” surge de depoimentos orais recolhidos por você junto a mulheres camponesas do interior do Maranhão. Como você organizou essas informações para elaborar os artigos que compõem o livro?
Elisabeth Bittencourt –
A Vaidade no feminino é um livro que reúne meus escritos que datam de 1995 a 2009. O título do livro ganhou o nome de um dos meus artigos que compõe essa reunião de textos pelo sabor que ele suscita, afinal conforme destaco, vaidade NO feminino e não DO feminino. Para descobrir esse segredo só se embrenhando pela leitura...
Meus escritos surgiram das mais diversas fontes, alguns temas vieram das questões da clínica que me assaltavam, outros de questões minhas enquanto mulher que insiste em amar e desejar, outros de convites que me foram feitos para participar de diversos eventos de Psicanálise, outros como efeitos de cartel – uma espécie de leitura que membros de uma escola de Psicanálise fazem, partindo de seu próprio interesse. Outros ainda, de cenas que o Maranhão sempre me presenteou. Na verdade, as temáticas não se separam, pelo contrário, elas me reúnem, porque o de que se trata o tempo todo é de uma tentativa precária de me escrever, de soletrar as letras do meu desejo.
Para o meu bel prazer, a fala dos camponeses, e em particular, das mulheres camponesas do Maranhão, sempre esteve disponível para o meu uso, na minha memória, que vou chamar de inconsciente. Eu estou ali a escrever, quando me vêm à cabeça as palavras desses que passei a chamar de analfabetos letrados. Sempre me surpreendi com o jeito peculiar de falar destes camponeses que não passaram, em sua grande maioria pela escola, e que ao falar, exibem uma gramática capaz de tecer um estilo inusitado, como se a palavra encostasse na coisa que não se diz. Vestígios de uma poética que ilumina o frescor de uma linguagem emprenhada pela poesia... 
Maristela Sena – Você escreveu esse trabalho em 1989. Qual foi o processo para ele desaguar em “Vaidade no feminino”?
Elisabeth Bittencourt –
Em 1989 escrevi um longo trabalho de 400 páginas chamado “A linha da vida ou A saída é por onde não tem porta...”. Foi o primeiro parto em que a palavra se mostrou abundante para mim. Antes disso, só os diários... Eram torrentes de sentidos que me atravessavam e me atordoaram. Lembro que, ao final desse trabalho, chorava sem parar na minha análise até o dia em que finalmente essas palavras escorreram. Era essa a sensação: era preciso que as palavras escorressem, para que eu me apaziguasse.
O último capítulo desse escrito reunia as respostas das mulheres camponesas às interrogações da Linha da Vida - um jeito de trabalhar com as mulheres -, que iam da infância à velhice. Era o tempo em que eu, Paula e Ane lançávamos-nos pelos lugares mais recônditos do Maranhão em ônibus precários, caminhões que atravessavam rios, barcos que pareciam que não iam dar conta de chegar ao seu destino, lombos de burro terra à dentro para trabalhar com as mulheres...
Esse trabalho está inédito, poucas pessoas o conhecem, sonho no próximo ano trabalhar esse material aprofundando essa nomeação “analfabetos letrados” que me veio à cabeça nos últimos anos...
Da Linha da vida ao Livro A vaidade no feminino, está inscrito um percurso em que a escrita me tomou de vez. Até hoje sofro daqueles ataques em que quase tudo daria um belo escrito! Enquanto isso, vou me decifrando...

Maristela Sena – Um dos seus textos se chama “Por que as mulheres estão tão sozinhas ou eles vão atrás da bola enquanto elas dão bola?” Existe uma solidão pertencente à mulher e ao homem e que talvez provoque tantos desencontros?
Elisabeth Bittencourt –
Não sei se uma solidão, mas digamos assim, quase uma impossibilidade. O ser falante desde cedo precisa de um outro que lhe faça uma maternagem, que lhe cante um trinado de sons e sentidos que componha uma sonata, inseminando a linguagem nesse desamparado bebê que vai precisar achar um lugar no mundo. Ao mesmo tempo nessa profunda intimidade, há uma diferença radical que os distancia. Eu sou outro, entre eu e ele há uma descontinuidade. Como diz um grande pensador Georges Bataille, se sou que eu que morro, não é você que morre. Entre um ser e outro há um abismo, uma descontinuidade.
No entanto, mais uma vez, surge a força de um dualismo pulsional, cujo poder erótico insiste em nos ligar. Ligadura que um psicanalista francês chamado Jacques Lacan, chamou de milagre.  Como uma pessoa criada em um mundo tão diferente pode amar um outro? E o que é mais surpreendente, passar muitos anos juntos? E mais ainda, tendo que descobrir qual a sua trilha sexual, já que a anatomia não é certeira para indicar a escolha de seu objeto sexual? Só pode ser um milagre! Os pares mais díspares, desafiando os empecilhos do momento se encontram, desafiando as impossibilidades!

Maristela Sena – O capítulo 2 de “Vaidade no Feminino” é dedicado ao sagrado e à cultura popular. Como se deu o seu processo de apreensão dessa dimensão e como você a utiliza na psicanálise?
Elisabeth Bittencourt –
A minha chegança em São Luis do Maranhão, em 1975, quando ainda era estudante, foi arrebatadora. A viagem era longa, e enquanto o ônibus rodava eu rodopiava com as palavras de Josué Montello em “Os tambores de São Luis”. Recordo que escrevi sobre essa chegada. Foi um momento mágico em que olhava pela janela e via um verde que nunca tinha visto antes, acompanhado pelas palavras dos “Tambores de São Luis” que me anunciavam o mundo que ia vislumbrar. Lembro que no dia seguinte ouvi um batuque nunca dantes escutado e inebriada pelo som, como uma cantata materna, encontrei os tambores tradicionais. Nunca me esqueci deste momento!
Logo depois, meus padrinhos de Maranhão, Sergio e Mundicarmo Ferreti me apresentaram aos primeiros espantos da ilha. Eu estava, num lugar, digamos assim, nunca dantes visto, fora do lugar, na verdade! Sentia que vinha dos cantos uma desorganização benfazeja que me apresentava algo que eu nem sabia que desejava tanto. Já espreitava isso que hoje posso nomear como o sagrado, o profano e a cultura popular.
Um sagrado rouco vinha das vozes graves das caixeiras, os batuques tinham outros tinos. A voz grave das caixeiras me permitia ouvir cada sílaba e cada palavra daquele lamento que elas entoavam, daquela homenagem que elas prestavam. Eu não sabia do que se tratava!
Em 19 de janeiro de 1976, tendo terminado a faculdade, voltei para morar em São Luis. Lembro que logo no primeiro dia já fui direto para a Casa das Minas “espreitar” o banquete dos cachorros que lá acontecia. Estava deslocada, imersa num mundo que me atraia e que me apresentava um sagrado desgarrado dos cânones? Não sabia de nada! Tudo me atingia! Só algum tempo depois pude saber que o Maranhão havia me indicado a trilha do meu desejo, de me deixar afetar por seu linguajar, sua cultura, seus batuques, suas danças, suas religiões e seu modo próprio de criar um meio de viver em que a festa possa acontecer – todo ano tem – e se expandir. Digamos que fui sendo pega pouco a pouco pelas entranhas do Maranhão que me levavam da miséria à beleza, da erudição à poesia dos analfabetos letrados.
Então, o sagrado e a cultura popular foram se entranhando na minha pele de linguagem, pedindo expressão. O livro A vaidade no feminino é um exemplar dessa expressividade que me tocou. Eu não tinha outra saída a não ser me escrever... 
Maristela Sena – Qual a sua expectativa quanto à receptividade do leitor de São Luís em relação aos escritos de “Vaidade no feminino”?
Elisabeth Bittencourt –
A minha maior expectativa ainda há de vir! Que ela venha! Venha como vier! Afinal, o Maranhão me ensinou que num “casco” furado dá até para atravessar o rio Gurupi. Sair lá de Vizeu no Pará e chegar em Carutapera, mesmo num “casco” furado, tirando água com uma cuia, devolvendo ao rio Gurupi sua própria água...
Maristela Sena –
Diga algo mais que achas que é importante pra registrar nesta entrevista.
Elisabeth Bittencourt –
Queria registrar que essa programação toda que acabei inventando com a minha filha Juliana Manhães - maranhense que foi para o Rio rodopiar as saias dos cariocas e mostrar os batuques do Maranhão - foi acontecendo sem me dar conta do que fazia...Fui percebendo que queria encontrar com os amigos, ou mesmo conhecidos, com os quais havia compartilhado espantos, concordâncias e discordâncias nestes tempos em que o Maranhão passou a fazer parte da minha vida.

Depois descobri que era também um jeito de fazer do Maranhão, uma banda de Moebius, aquela que não tem dentro nem fora, no dentro já está o fora, no fora já está o dentro: pé dentro, pé fora, quem tiver pé pequeno que vá embora...

Elisabeth Bittencourt é psicanalista e escreve desde os 12 anos: os diários pessoais a acompanham até hoje. Neste livro a Vaidade no Feminino, ela escreve sobre o amor e o desejo que sideram os seres falantes... No entremeio dessa escrita, vindo de algum lugar, surgem fragmentos de músicas que passam a fazer parte do texto, acompanhando a via tortuosa dos amantes.
Além disso, Elisabeth morou 29 anos no Maranhão. De lá trouxe os analfabetos letrados ou os analfatóteles como chama Tom Zé. O rumor da língua oral constitui o seu texto trazendo um frescor desconhecido que se mistura com os batuques do Maranhão, trazendo a cena, o Cazumbá. Cazumbá? De que se trata?

Elisabeth Bittencourt nasceu no Rio de Janeiro, mudou-se para o Maranhão em 1976. Lá, embrenhou-se por seus interiores, trabalhando durante 10 anos com as mulheres camponesas do Maranhão. Retorna a sua terra natal em 2004 e resolve publicar seus textos.  Tem consultório em Belém do Pará e no Rio de Janeiro. É Analista Membro da Escola Lacaniana de Psicanálise do Rio de Janeiro e Membro do Núcleo de Direito e Psicanálise do Programa de Pós Graduação em Direito da UFPR.

Foi membro fundador da Escola de Psicanálise do Maranhão  e da Escola Lacaniana de Psicanálise do Maranhão. Foi consultora do Projeto de Enfrentamento à Violência Sexual contra crianças e adolescentes: Prevenção e Atendimento em Saúde – SESPA/PA . Tem vários artigos publicados em revistas de Psicanálise, Arte e Direito.

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