Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos

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Alexandre Morais da Rosa

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17/03/2013

Beccaria e Foucault: a humanização das penas e a bondade dos bons, quem nos salva? Por Alexandre Morais da Rosa


Beccaria e Foucault: a humanização das penas e a bondade dos bons, quem nos salva? Por Alexandre Morais da Rosa


“Em nossa sociedade, todo homem que não chora no enterro de sua mãe corre o risco de ser condenado à morte.” Camus

1 – O ponto de partida escolhido arbitrariamente, claro, para deslizar o diálogo entre Beccaria e Foucault é o campo do direito penal, especificamente sua humanização. Não pretendo, por evidente, discorrer sobre a proposta de cada um, mas sentar os discursos para um diálogo possível. Evidentemente que este diálogo se dá no registro do Simbólico, onde o Imaginário pode justapor significantes, diz Foucault, tocando na borda do Real. A pretensão, pois, é deslizar, sem metalinguagem.
2 – Aproveito de Beccaria a pretensão de humanizar o direito penal e como este discurso foi apropriado ideologicamente para, mediante um giro de sentido, propiciar o que Foucault denunciou como “normatização” dos sujeitos. É preciso sempre se desconfiar dos discursos prenhes de humanização, em nome do Bem, do Justo, da Verdade, porque se colocam, de regra, no lugar da opressão, da salvação, da docilização, do canalha, diria Lacan.
3 – Paradoxalmente, mas não sem razão, historicamente o homem foi colocando no centro do discurso. As justificações do poder, então religiosas, foram substituídas por outros mitos: legitimidade, poder constituinte, contrato social, pai da horda. Esta alteração da palavra primeva, todavia, manteve o lugar cativo. Nem poderia ser diferente, já que no início está o mito. A questão que se coloca é que o projeto da Modernidade manteve a condição de opressor/oprimido, como bem denuncia Dussel, sendo que, ademais, o consenso intersubjetivo é impossível abaixo do Equador. Habermas não está preocupado, por básico, com o terceiro mundo.
4 – Estamos, assim, perdidos ou achados na linguagem, onde o poder desfila como protagonista. Foucault demonstrou seu vínculo em diversos momentos, indicando a possível ordem do discurso. Neste campo é o poder que precisa ser trazido para o centro da discussão, principalmente a maneira pela qual a grande parcela dos atores sociais encontra-se obliteradas de qualquer dimensão crítica de seus atos, embalados ainda pelo imperativo categórico Kantiano, acreditando, ilusoriamente, que a lei deve ser cumprida, sem reflexão crítica. Hannah Arendt demonstrou, com Eichmann, os perigos de se cumprir alienadamente as leis, porque existe um limite para além do jurídico, o qual tenta cercar, mas não consegue, que é o poder, agravado em tempos Neoliberais, em que o Mercado não consegue dar conta da estrutura. Este limite está no campo da ética. Não a formal, mas a apontada desde um critério material: a vida, sua produção, manutenção e desenvolvimento em condições dignas, lembra Dussel.
5 – A estrutura da linguagem – que importa e condiciona – é, ainda, em grande parte, vinculada aos postulados da Filosofia da Consciência, indagando o “ente” a partir de um sujeito universal ilusório. Desde o giro lingüístico, a pragmática foi trazida para o centro da cena, deixando antever que os contextos modificam o sentido que acaba migrando, bem sabia Barthes. Seduzidos pela leitura objetiva da realidade, sem se dar conta que a representação do mundo encontra-se no registro do Imaginário, ou seja, da ficção, ainda se acredita, piamente, nas possibilidades descritivas da realidade. Pura ilusão que atende a interesses ideológicos e, principalmente à falta originária de cada dia. Resultado disso é que se cumpre a lei sem um necessário limiar crítico. Zizek define esta postura com a frase “Eles não sabem o que fazem”, alienados que estão do seu desejo, sempre sujeitado ao do Outro, claro, mas sem a dimensão crítica. E o orgulhoso sujeito da Modernidade segue feliz, crente que um dia chegará no paraíso que, para grande parte de nós, por sorte, está perdido, graças a Deus. Parte-se, assim, da Civilização e do Mal Estar que ela impregna.
6 – De maneira que a humanização da Justiça Penal e da Execução da Pena, em nome do Bem, do Justo, propiciou que o rompimento proposto por Beccaria tenha se transformado em mecanismo de poder. Através dele o sujeito é desubjetivado para se tornar objeto do conhecimento científico. Categorizado, marcado, normatizado, enfim, morto em sua subjetividade. A palavra de ordem passa a ser a de “ortopedia moral”, do pastoreiro e da salvação.
7 – Por aí se percebe que a interlocução com a psicologia e a psicanálise, lugar de onde procuro falar, na minha visão, não pode se dar mediante a elaboração de pareceres conclusivos, enunciados em face de um imaginário sujeito universal. É certo que existem possibilidades de auxílio, desde que haja demanda, para que somente assim a intervenção seja eticamente justificada. O que se dá, de regra, é que lotados de boas intenções, os atores sociais – psicólogos e muitos psicanalistas – operam dentro da estrutura emitindo laudos, pareceres, análises desprovidas de um mínimo de base epistemológica e, por via de conseqüência, são antidemocráticas.
8 – Sabe-se, por básico, que para que qualquer afirmação minimamente científica seja aceitável deve ser verificável, na linha de Popper. Todavia, neste campo, elas não podem ser confirmadas por procedimentos democráticos, ou seja, inexiste processo possível de constatação, perdendo-se, não raras vezes, no imaginário dos atores enleados no processo. Deve se dar conta de que a emissão de um parecer funciona, na maioria dos casos, como “mecanismo paliativo de desencargo” (Jacinto Coutinho), ou seja, o Juiz embarca alienadamente nas conclusões do conhecimento técnico, sem maiores reflexões, até porque se sabe a dificuldade de tal lugar (Legendre). E esta postura não é democrática.
9 – De outro lado, alguns psicanalistas do início do século passado – Jimenez de Ásua, por todos – defendiam a purificação do dito “criminoso” por técnicas de abordagem psicanalítica, isto é, defendiam a análise imposta, não fosse, todos deveríamos saber, a análise e o trabalho sério desenvolvido a partir de uma transferência que não acontece por sentença judicial. Estes mesmos, propugnaram, também, que a descoberta da Verdade – ilusão grega, bem demonstrou Nietzsche – fosse descoberta via laudos periciais da personalidade, gerando situações Kafkanianas, como a narrada por Roudinesco: “Quando foi sexualmente agredida por um homem e levou o caso aos tribunais, o promotor sustentou que a mulher tinha 21 personalidades, nenhuma das quais havia consentido em manter relações sexuais. Os juristas e os psiquiatras puseram-se então a discutir se as diferentes personalidades dessa mulher seriam capazes de depor sob juramento e se cada uma delas tinha ou não suas próprias aventuras sexuais. Em 1990, o homem foi julgado culpado, pois três das personalidades da vítima depuseram contra ele. Após uma contra-perícia, entretanto, realizou-se um novo julgamento. Alguns psiquiatras afirmaram, na verdade, que a mulher tinha 46 personalidades, e não 21. Assim, era preciso saber se essas novas personalidades também prestariam depoimento no processo. (...) Casos como esses tornaram-se freqüentes no continente americano. Eles mostram com clareza a que fanatismo pode levar a idéia de que todo ato sexual é em si um pecado, um estupro, um trauma, e de que todo inconsciente é uma instância dissociada, sem dar margem alguma à subjetividade.”  
10 – Assim, no espaço em que o saber psicológico e psicanalítico pode ser trazido ao Direito Penal, entendo que a atuação deve se dar em favor da pessoa acusada ou condenada, desde que haja demanda, sem que tal intervenção possa implicar em qualquer prejuízo ao sujeito, sob pena de se instaurar uma abordagem arbitrária, incontrolável, empulhadora e facista. De sorte que o discurso científico, que agrada muitos satisfeitos com as belas miragens que propicia, principalmente narcisísticas, no sentido de se medir geometicamente a personalidade de alguém, precisa ser rejeitada. A democracia exige que o processo como procedimento em contraditório (Fazzalari), seja o mecanismo apto ao reconhecimento de resposabilidades, sem que este reconhecimento implique, para o sujeito, qualquer obrigação de modificação interna, na linha do garantismo de Ferrajoli, rejeitando-se a “normatização” denunciada por Foucault. Somente assim há ética na intervenção.
11 – Do contrário, cheio de boas intenções, por evidente, o profissional estará atuando como “aprendiz de feiticeiro”, isto é, manejando um poder maior do que o que domina, com o perigo de se queimar. Enfim, o sujeito pode ser do jeito que quiser e o Estado Democrático de Direito, via Sistema Penal, como diz Ferrajoli, não pode querer que a pena ou o processo penal o tornem melhor, nem pior. Ele, pelo primado da tolerância, típico dos Estados Laicos, pode desejar o que quiser, assumindo as responsabilidades daí decorrentes.
12 – A cruzada pela salvação moral é estranha à democracia, como o inconsciente o é do orgulhoso sujeito da Modernidade. Por isso a ideologia da perícia não pode ser aceita comodamente. Esta é a aposta e o preço a ser pago. Senão, como diz Agostinho Ramalho, quem nos salva da bondade dos bons?



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