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29/07/2012

Fichamento Manual dos Inquisidores - UFSC


UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

DEPARTAMENTO DE DIREITO

ALUNA: MARIA JACINTADE SOUZA BITTENCOURT

PROFESSOR: ALEXANDRE MORAIS DA ROSA

PROCESSUAL PENAL I – DIR 5724

 

FICHAMENTO


MANUAL DOS INQUISIDORES


 

Escrito pelo dominicano Nicolau Eymerich, em 1376, o Manual do Inquisidores consiste de um tratado, dividido em três partes, que visava a subsidiar o exercício da inquisição (Santo Ofício). A leitura do texto, portanto, envolve a compreensão das idéias político-religiosas de então, sobretudo a disputa entre o poder secular e o clero. Quando o imperador Frederico II, para manter a unidade do reino, inicia a perseguição de hereges, o papa Gregório IX (criador da inquisição) avoca a tarefa persecutória e institui os próprios inquisidores. As práticas inquisitoriais se legitimavam com a edição de atos emanados do papa, representante máximo da vontade divina.

Na primeira parte do Manual, o autor se concentra em definir a heresia e o herege, em sentido estrito e, com isso, a esfera de atuação do inquisidor, sua jurisdição. O fundamento da inquisição é a defesa da fé católica, tida como a verdadeira. Daí a denominação de herético àqueles que escolhiam outra doutrina ou aderiam a um pensamento divergente da doutrina cristã católica. O castigo da excomunhão se justificava pois, pelo fato de a heresia ser vista, etimologicamente, como separação e também uma escolha do herético, por uma crença contrária à da estabelecida pela Igreja.

O conceito de heresia como escolha, porém, não se aplica à opção pela verdade católica, defende Francisco PEÑA, em comentários ao Manual. Não é herético quem escolhe a verdade católica, pois, nesse caso, trata-se tão somente de seguir o que Deus lhe determinou (determinismo divino). Só existem heresia e seita, quando se trata de doutrinas cuja interpretação do evangelho não é conforme a interpretação defendida pela Igreja Católica. Sob esse fundamento, EYMERICH qualifica um artigo ou proposição como heréticos, quando se opuserem aos dogmas que constituam a base da fé católica (por exemplo, o dogma da Santíssima Trindade).

Se, juridicamente, a heresia (espécie) é distinta do erro (gênero), no domínio da fé não se faz distinção entre os termos. Disso resulta uma ampliação do universo dos heréticos, para fins de persecução inquisitória. O herege, presumido ou verdadeiro, era o "arquiinimigo da fé" e, para salvaguardar a verdade absoluta (a revelação divina, no seio da igreja católica), justificava-se a intolerância a qualquer pensamento divergente. Assim, eram heréticos os excomungados, os simoníacos, quem contestasse a autoridade divina da Igreja de Roma, e até quem cometesse erros na interpretação das Sagradas Escrituras.

Do ponto de vista estritamente jurídico e teológico, ao se qualificar alguém como herege, levava-se em conta o erro intelectual, no tocante à fé, e a vontade. Considerando o dever dos fiéis de acreditar no conteúdo dos livros canônicos, e em tudo o que a Igreja decretou como de fé, quem quer que discordasse com teimosia de qualquer dessas verdades seria considerado herege. O que caracterizava o herege, portanto, era seu apego intransigente ao erro, o que se manifestava na recusa de abjurar.

Para o fim de facilitar sua identificação e graduar as penas, os hereges eram classificados em manifestos ou disfarçados, afirmativos (manifestam, por palavras e ações, o apego ao erro mental) ou negativos (os que, convencidos de alguma heresia, negavam-na, confessando em palavras a fé católica). Independentemente de suas razões para negarem, eram considerados hereges, pois o fato de não confessar o erro de que tinham convicção era a prova de sua impenitência. Segundo PEÑA, tanto eram hereges os praticantes de atos propriamente heréticos (adorar os demônios, comungar com os hereges etc) como aqueles que visitavam hereges, ou os que os sustentavam. Neste caso, as suspeitas bastavam para justificar processos por heresia.

PENA é inflexível e negam o benefício do esquecimento quanto a supostos "hereges negativos", entendendo que não se pode considerar como tal quem, estando convencido de ter tido, no passado, uma linguagem ou um comportamento heréticos, declara que esqueceu tudo. O inquisidor é implacável a esse respeito: se era certo que a memória guarda sempre inalteradas as lembranças de fatos marcantes, a prática de atos heréticos deixaria uma marca indelével na memória. Logo, alguém (como os luteranos) que tivesse profanado locais sagrados, pregado idéias heréticas, destruído imagens, merecia ser processado. Isso porque "a marca que a prática dos hereges deixa na memória nunca se apaga".

Seguindo na classificação dos opositores à verdade absoluta, o Manual faz ainda a distinção entre o herege e o heresiarca, "príncipe dos hereges". No entendimento do inquisidor, o heresiarca não se limita a se enganar e a se apegar a seus erros, também os formula, inventa e os apregoa. Além dos criadores de heresias, consideravam-se heresiarcas quem as difundia, desenterrava velhos erros, para apregoá-los novamente ou retomá-los escondido. Não fosse assim, diz PENA, chegar-se-ia à conclusão de não existiam mais heresiarcas, ou existiam em número reduzido. Com esse argumento, o inquisidor, aparentemente, busca ampliar o número de heresiarcas, no intuito de ampliar sua jurisdição, com isso, pretensamente fortalecer a fé católica.

Em função dessas distinções, as disposições jurídicas não eram as mesmas para julgar os hereges e os heresiarcas. A condição de heresiarca era uma circunstância agravante, ensejando a pena máxima. Não se deveria livrá-lo do último suplício, mesmo se estivesse sinceramente arrependido. O arrependimento ou conversão era vista pelo inquisidor como mero artifício para fugir da tortura. Para os demais hereges, a pena era tanto mais rigorosa quanto maior fosse o apego à heresia e a recusa em confessar e abjurar. Aos hereges tidos como pertinazes e impenitentes, por exemplo o castigo era serem entregues ao braço secular para serem executados.

Também se reservava a execução, sem novo julgamento, para hereges relapsos (reincidentes na heresia, após abjurarem-na). A opinião geral era de que relapsos fossem queimados vivos em praça pública, não sem antes serem amordaçados, para que suas blasfêmias não chegassem aos ouvidos dos presentes à execução. Não se perdoava o penitente relapso por uma razão muito clara: reincidir era como confessar que não ocorrera uma conversão sincera, no passado. Era, portanto, absolutamente justo que a Igreja considerasse os relapsos como inúteis, sempre infectados de heresia e, por isso, dignos de ser definitivamente expulsos e entregues ao braço secular.

No caso dos blasfemadores, havia inclusive a distinção entre blasfemadores comuns, e aqueles que atacavam diretamente as verdades da fé católica. Estes eram considerados hereges ou suspeitos de heresia pelo inquisidor e julgados como tais. Segundo a prática inquisitorial, a gravidade da blasfêmia era medida de acordo com as virtudes do blasfemador, cujo status social determinava o rigor da repressão. Se fosse um nobre ou alguém importante, por exemplo, era obrigado a abjurar e dele se cobrava uma alta soma em dinheiro, sendo ainda lhe reservada a clausura temporária em um convento. Observa-se aqui a prática arrecadatória, em benefício dos cofres da inquisição.

A jurisdição da inquisição se estendia sobre todos os hereges, entre os quais se compreendiam judeus e infiéis. Partindo da premissa de que todos os homens, sejam fiéis ou infiéis, são ovelhas de Cristo, o inquisidor persegue os seguidores de outras religiões, uma vez que podem servir de obstáculo à verdadeira fé. Se a bíblia continha verdades comuns a judeus e católicos, argumentava o inquisidor que deviam respeitá-las, sob pena de serem considerados hereges contra a sua própria religião.

O autor defende a inquisição contra eventuais acusações de ser um tribunal de exceção. Como argumenta EYMERICH, cabe ao inquisidor, e não ao poder civil, afastar os infiéis da comunidade cristã, persegui-los e julgá-los previamente. A Igreja deve intervir para condenar onde, justamente, reis e príncipes tenham a audácia de proteger os judeus. Sem a Igreja, esses hereges seriam, na verdade, protegidos.

Ninguém escapava dos tentáculos da inquisição. Quando o inquisidor não conseguia interferir, como no caso de certos apóstatas (clérigo que se laiciza e o monge que abandona o convênio), decretava-lhes uma sentença de excomunhão. Se ficassem um ano sob efeito dessa pena, seriam suspeitos de heresia, e, assim, sujeitavam-se ao julgamento do inquisidor. Mesmo no caso dos suspeitos de heresia, PENA defendia ser legitimo torturá-los para fazê-los confessar e, depois, abjurar. O manual enumera os dez casos de forte ou veemente suspeita de heresia. O fracamente suspeito não era herege, no entanto, era obrigado a abjurar, assim como o fortemente suspeito. Já o violentamente suspeito era tido por herege, passando pelas mesmas punições dos demais. A suspeita grave por si só era o bastante para condenar, não se admitindo nenhum tipo de defesa nesse caso.

PEÑA faz algumas ressalvas, quanto a regras como a que determinava que todo mundo deveria expulsar de casa o irmão, o pai, o filho ou o cônjuge herético. Para ele, a consangüinidade não deveria ser motivo para não se aplicar a pena, servindo apenas para atenuar o rigor da punição. A clemência do inquisidor seria, pois, proporcional à proximidade dos laços de parentesco. A condenação atingia até parentes próximos de quem acolhia os hereges. Sendo o "hospedeiro" judeu, ou outro tipo de infiel, era processado sem maiores investigações e condenado às penas previstas habitualmente: prisão perpétua, entrega ao braço secular, confisco dos bens. Para além da excomunhão do protetor de hereges, estava prevista a demolição total da casa que os abrigara, o exílio do proprietário e, ainda a interdição de reconstruir e o confisco dos bens. A perseguição dos inquisidores, mais do que tudo, era movida pelo ódio aos hereges, como admite PEÑA.

Na perseguição aos heréticos, a inquisição considerava tanto as denúncias de testemunhas corajosas e honestas, mas também o testemunho de hereges, traidores, criminosos etc. Os textos pontifícios não faziam nenhuma distinção entre o valor das acusações de uns e de outros. A acusação valia por si mesma em qualquer situação: bastava que uma pessoa fosse publicamente apontada, para receber uma pena canônica, ou, se a recusasse, ser expulsa da Igreja. Para os relapsos (reincidentes), nem mesmo se garantia o processo: em qualquer caso, seriam entregues ao braço secular.

A partir da definição dos hereges e seus castigos e punições, observa-se que o direito inquisitorial tendia a estender sua jurisdição, tornando-se um tribunal de exceção em relação ao poder secular. Em nome de uma fé pretensamente verdadeira e absoluta, considerava crime passível de punição qualquer desvio dos fiéis e dos convertidos à fé, incluindo crianças, não obstante as tratasse com menos rigor. Fundamentava a perseguição e a acusação no pressuposto de que de o acusado era culpado de plano. Assim, o ônus da prova era mínimo para o inquisidor, que poderia basear o processo em meras suspeitas, ou em depoimentos de testemunhas inidôneas. Se o suspeito não fosse herege, poderia assim tornar-se, apenas pelo decurso do prazo (caso de quem ficava na situação de excomunhão por um ano).

Na segunda parte do manual, Eymerich concentra-se nas instruções sobre o exercício da prática inquisitorial, propriamente dita. Começa por orientar o inquisidor recém-nomeado pelo Papa a primeiro apresentar-se ao rei ou ao governante do estado para onde fora enviado, mostrando-lhe suas credenciais, bem como solicitando-lhe e oferecendo-lhe ajuda para "eliminar a perversidade herética e exaltar a fé católica". Obtido o salvo-conduto para si e sua comitiva, o inquisidor deveria ainda procurar o arcebispo ou o bispo locais e lhes apresentar seu mandato apostólico. Era uma medida preventiva, para não sofrer entraves na sua missão, fosse da parte dos bispos, ou do poder secular.

Era facultado ao inquisidor exigir das autoridades civis o juramento de protegê-lo durante o exercício das suas funções. A recusa ao juramento era punida com o interdito das terras e cidades governadas pelos recalcitrantes.

Quem fosse assim condenado era impedido de exercer a medicina e o direito. Além disso, ficava proibido de vestir roupas caras e usar ornamentos de ouro ou prata, ter magistraturas e administrações, exercer função pública ou praticar ato público. A pena passava da pessoa do condenado para os filhos e netos, que ficavam sujeitos aos mesmos impedimentos! Àqueles que julgam injusta a punição dos filhos por causa dos delitos dos pais, PENA argumenta que se esquecem do efeito da pena de expropriação dos filhos sobre muitos pais, impedindo-os, com efeito, de cair em heresia: "o amor paterno é tão bonito, tão nobre, que, muitas vezes, os pais temem muito mais pelos filhos do que por eles próprios".

Eymerich previa a aplicação de sanções às autoridades com o fim de obrigá-las a atender as ordens do inquisidor. Ao comentar esse tópico, PENA defende o castigo rigoroso para pecado de desobediência ao inquisidor. No entanto, quando se tratasse de conselheiros e pessoas importantes, aconselhava a imposição de penas menos duras, como a doação de uma grande soma em dinheiro, de forma que o crime não ficasse impune e para que incutisse o medo nos demais. A pena pecuniária sugere que os suplícios físicos ficavam reservados àqueles cuja condição social não lhes permitisse colaborar com o financiamento da inquisição. Daí porque, PENA advertia o inquisidor para ter muito cuidado antes de punir poderosos, já que iria precisar constantemente dos poderes civis, cuja amizade e simpatia seriam indispensáveis.

Obtido ou não o juramento das autoridades, o inquisidor faria nomear um comissário inquisitorial, com a função de receber as denúncias, informações e acusações, citar criminosos e testemunhas, prender, ouvir depoimentos e confissões, torturar para obter confissões etc. Ficava, porém, reservada ao inquisidor a aplicação da sentença definitiva.

O passo seguinte à nomeação dos comissários inquisitoriais, era a definição de uma data para o sermão geral, a respeito do qual exigia-se dos párocos locais que avisassem ao povo. O comparecimento era premiado com quarenta dias de indulgência. Ao final do sermão, o inquisidor então mandava ler a Ordem de delação, dirigida a todos, leigos e membros do clero. Sob pena de excomunhão, deveriam falar sobre o que sabiam sobre hereges, inclusive os suspeitos de heresia, Deixava claro ainda que os delatores não mereciam críticas, ao contrário, deveriam ser considerados bastantes obedientes à fé divina.

Após a leitura desta ameaça, seu sentido era resumidamente explicado pelo inquisidor, que lembrava aos assistentes que sua presença ao sermão lhes garantia quarenta dias de indulgência. Prometia mais três anos de indulgência a quem lhe ajudasse a cumprir sua tarefa, por exemplo, denunciando um herege ou um suspeito. Por fim, fixava a época do perdão (que durava um mês, no máximo, quarenta dias), período em que seria concedida uma graça especial a todos os potenciais hereges, que se apresentassem espontaneamente.

Não obstante as promessas de clemência a quem se entregasse voluntariamente, o beneficio do perdão não era incondicional. O inquisidor não lhes ministrava, por exemplo, o sacramento da confissão, sob o fundamento de que os hereges e suspeitos, temerosos de ser capturados pela Inquisição, apresentavam-se voluntariamente, pedindo para ser ouvidos na confissão, no intuito de fugir do processo e da punição. Além disso, o perdão não seria concedido sem antes o inquisidor verificar se o depoente já tinha sido acusado de alguma coisa ou se já tinha sido objeto de delação ou acusação em outro lugar.

Quanto ao recebimento das denúncias, sendo numerosos os delatores, seus nomes e as informações, assim como o nome das testemunhas e a indicação da residência eram escritos num caderninho preparado para tal, a Agenda das delações. Após o tempo do perdão, o inquisidor consultava a agenda, selecionando os crimes mais perigosos para a fé, por onde começaria a investigação, citando o denunciante. A investigação era uma das três formas de abertura de processo inquisitorial, que também poderia ser instaurado com a acusação ou por denúncia.

A peculiaridade no processo por acusação era a declaração do acusador afirmando que aceitava a lei de talião, ou seja, se perdesse, pagaria a pena que o acusado pagaria, se ficasse provada a culpa deste último.

À época de PENA, a lei de Talião estava em desuso e havia justificativa para tanto: o risco de punição ao acusador gerava a dificuldade de se encontrar delatores, o que redundaria na impunidade dos crimes, para grande prejuízo do Estado. Segundo PENA, não se deveria entregar ao braço secular o acusador que perdesse, porque, em quaisquer das circunstâncias, o acusador é menos perigoso que o herege. De qualquer forma, em seu tempo, o papel do acusador era já atribuído a um "Fiscal" que, após a investigação, formulava as acusações em termos precisos, de modo que o acusado soubesse de que exatamente era, para que pudesse defender-se. No entanto, não constava dos autos de acusação o nome do denunciante, pois havia situações em que se devia enganar o culpado.

Na abertura de um processo por denúncia, um delator denunciava alguém de heresia ou de protecionismo à heresia e declarava fazer isso para não se arriscar à excomunhão. O inquisidor mandava colocar por escrito os termos exatos da denúncia, inquirindo também o delator sobre suas motivações para a denúncia: se por maldade, ódio, ressentimento ou, ainda, por ordem de terceiros.

Dispondo-se apenas de boatos, a respeito do que alguém disse ou fez contra a fé ou em favor dos hereges, neste caso, a abertura do processo se dava com a investigação do inquisidor, conforme suas atribuições.

Instaurado o processo numa causa de heresia, por uma das três formas acima, o processo se desenvolvia devendo seguir o procedimento sumário, simples, sem complicações e tumultos, nem ostentação de advogados e juízes. Não se podia mostrar os autos de acusação ao acusado nem discuti-los. Tampouco se admitiam pedidos de adiamento e medidas similares. Durante o interrogatório, que poderia legalmente ultrapassar o teor da acusação, a ordem das perguntas ficava ao arbítrio de cada inquisidor, que poderia oferecer maior clemência ao acusado, mas com o fim, maliciosamente oculto, de obter sua confissão, de forma mais clara e rápida. Cabia também ao inquisidor definir a frequência dos interrogatórios, respeitando sempre o princípio de silenciar sobre tudo o que pudesse dar pista dos delatores ao acusado. A isso, PENA sugeria que, durante o interrogatório, o acusado se sentasse numa cadeira mais baixa, mais simples que a cadeia do inquisidor, o que se pode ver como um símbolo da situação de inferioridade do acusado, no processo.

Em seus comentários, PENA advoga mais rigor em relação às recomendações de Eymerich. Um exemplo é quanto aos hereges "de brincadeira" que, segundo ele, não mereciam muita condescendência. Ao menos, deveriam pagar uma boa multa que revertesse em benefício de um local de culto! Mais prosaicas eram suas advertências para não se punir quem tivesse proferido heresias em sonhos, ou não se levar em consideração heresias provindas de criança ou de um velho senil.

Nos processos por investigação, o inquisidor mandava citar testemunhas entre as pessoas boas e honestas, a quem cabia confirmar a existência de boatos entre a população. A particularidade nessa modalidade de processo era a necessidade de apenas duas testemunhas para provar a existência de boatos, desde que íntegras e maiores de idade. Além disso, dois depoimentos divergentes quanto aos fatos bastavam para provar a existência de boatos: podia-se "proceder". Para afastar qualquer suspeita de irregularidade, cinco pessoas deviam estar presentes aos interrogatórios dos delatores e testemunhas: o juiz inquisitorial, a testemunha ou o acusado, e duas testemunhas inquisitoriais.

Nas observações que precedem o interrogatório dos hereges, fica evidente que o inquisidor de antemão, considerava o acusado culpado. Dessa forma, era-lhe lícito utilizar qualquer artifício para obter a confissão de culpa. "A malícia é a melhor arma do inquisidor (...) para convencer o acusado de que aderiu a uma heresia", lembra PENA. Por isso exorta os inquisidores a mostrar sagacidade, reforçando as regras de Eimerich, que ensinava aos inquisidores a reconhecer os dez truques dos hereges para responder sem confessar, como simular idiotice ou demência.

No caso de fingida loucura, para que o inquisidor tivesse a consciência tranqüila de não estar condenando um louco de verdade, PENA sugere a tortura para qualquer louco, fosse ou não falso. Se não fosse louco, dificilmente o acusado poderia continuar a sua comédia sentindo dor. De toda maneira, não havia porque temer que o acusado morresse durante a tortura, já que "a finalidade mais importante do processo e da condenação à morte não é salvar a alma do acusado, mas buscar o bem comum e intimidar o povo".

Em resposta aos truques dos hereges, o Manual apresenta os dez truques do inquisidor para neutralizá-los, devendo, sobretudo, usar de malícia, a fim de forçar o herege a revelar os erros, convertendo-os em verdade: com fala calma, sem irritação, e considerando sempre o acusado como culpado. Já antevendo eventuais objeções ao uso da malícia para enganar o acusado, PENA sai em defesa dessa artimanha. Segundo ele, a mentira que se prega judicialmente, em benefício do Direito, do bem comum e da razão, é absolutamente louvável. Mais ainda o é a mentira que se prega "para detectar a heresia, erradicar os vícios e converter os pecadores". Em outras palavras, para a inquisição, não importam os meios, se os fins são justos.

Além dos truques para detectar hereges, o manual relaciona as particularidades dos rituais, de vestuário e outros indícios exteriores de heresia. Considerando que a lista dos indícios exteriores de heresia seria longa, Pena conclui existir "indício exterior de heresia toda vez que houver atitude ou palavra em desacordo com os hábitos comuns dos católicos".

Por fim, quanto ao processo, Eymerich relaciona as causas da demora dos processos e do atraso na promulgação das sentenças, sendo que a maioria delas se vinculam ao que se considera direitos processuais do acusado, como o grande número de testemunhas. Conforme a lei da Inquisição, bastavam duas testemunhas. O fato de dar o direito de defesa ao réu também se considerava motivo de lentidão no processo, razão pela qual o inquisidor entendia que essa concessão nem sempre era necessária. Para o inquisidor, se o réu confessasse o crime para quem o denunciou e a confissão correspondesse às denúncias, não valeria a pena oferecer-lhe um defensor para atuar contra as testemunhas. Ademais, quanto à credibilidade, a confissão tinha mais valor do que o depoimento das testemunhas. Ao contrário do que ocorria em outros tribunais, diante do Tribunal da Inquisição, bastava a confissão do réu para condená-lo. O crime de heresia é concebido no cérebro e fica escondido na alma, alega PENA, para demonstrar que Eymerich tinha razão ao falar da inutilidade da defesa. Nesse contexto, o defensor não tinha outro papel que o de agilizar a condenação.

Em alguns casos, o réu poderia apelar para o Papa, sendo a apelação também considerada uma causa da dilação do processo. Recebida a cópia da apelação, o inquisidor tinha o prazo de dois dias para acusar o recebimento da apelação, além de mais trinta dias para fazer o julgamento apostólico. Poderia inclusive prorrogar o prazo da resposta. E na pendência da resposta à apelação, não era preciso retardar a tortura, caso os indícios se mostrassem suficientes a sua aplicação. Com o argumento de que a apelação não tinha a finalidade de proteger a injustiça, uma resposta apostólica positiva nunca seria considerada como uma sentença definitiva, pois inocentaria o réu.

Incluía-se também entre as alegadas causas de dilação processual a destituição do inquisidor e a fuga do acusado, que não deixa de ser uma forma de defesa.

Finalmente, quanto à conclusão do processo da Inquisição, o encerramento sempre se limitava a treze veredictos, por meio dos quais puniam-se inclusive o caluniado de heresia e os suspeitos, que ficavam sujeitos à expiação canônica e à abjuração, conforme a gravidade da suspeita. Mesmo no caso de absolvição do acusado, o inquisidor evitava declarar na sentença absolutória que o acusado era inocente ou isento, e sim esclarecer que nada havia sido legitimamente provado contra ele. Dessa forma, se, mais tarde, fosse trazido novamente diante do Tribunal, poderia ser condenado sem problemas, apesar da sentença de absolvição.

Um dos veredictos era o interrogatório, aplicável ao réu que não confessou e de quem não se tinha provas de que era herege, durante o decorrer do processo. O manual é bastante detalhista sobre o procedimento do interrogatório, a respeito das situações em que o réu vacilar, e ainda nas quais se aplicaria a tortura. Aliás, o inquisidor reconhece que a tortura nem sempre é eficaz, uma vez que existem pessoas com o espirito tão fraco, que confessam tudo com o mínimo de tortura, mesmo se não cometeram nada. Outras, são tão obstinadas que não abrem a boca, independentemente dás torturas que sofrerem. Quanto a crianças e os velhos, PENA admitia sua tortura, desde que com uma certa moderação. No caso de uma mulher grávida, não deveria ser torturada nem aterrorizada, para evitar que desse à luz ou aborte. Depois do parto, não haveria mais nenhum obstáculo à tortura.

O valor da confissão era absoluto quando obtido sob ameaça de tortura ou através da apresentação dos instrumentos de tortura. Nesse caso, considerava-se que o réu confessou espontaneamente, tendo em vista que não foi torturado. A mesma coisa, se a confissão era obtida com o réu já despido e amarrado para ser torturado. Apenas se confessasse durante a tortura, deveria, depois, confirmar a confissão, já que esta foi obtida através do sofrimento e do terror.

Apesar disso, PENA alega que os inquisidores não são carrascos. Isso porque seguiriam regras bem definidas sobre quantas vezes podem-se "recomeçar" as torturas. Não haveria mesmo crueldade ao se aplicar uma terceira série de torturas, se o réu tivesse sido torturado com uma certa timidez, nas duas séries anteriores. A respeito do veredicto de abjuração por suspeita leve, mais uma vez, PENA vai em defesa do sistema inquisitorial, ao dizer que não se trata aqui de penas, mas de punições, já que não se pode aplicar uma pena contra quem é levemente suspeito. Em que pese ter consciência dos abusos cometidos durante o processo, o autor justifica os procedimentos inquisitoriais em nome da fé absoluta, cuja defesa desconhece escrúpulos.

Outro veredicto era a prisão perpétua, entendendo-se por "prisão" a cidade em que morava o condenado, que seria então atormentado, para todo o sempre, pelo pão do sofrimento e a água da amargura. Merece citação o veredicto aplicado ao penitente relapso que, independentemente do arrependimento, era entregue ao braço secular para ser executado. Impenitente ou penitente, esse tipo de réu seria executado. Só escapava do braço secular quem, antes de reincidir, tivesse abjurado para purgar uma suspeita leve. O castigo final (execução) também era reservado ao herege impenitente e não relapso. Esgotados os recursos para forçá-lo à conversão, o réu era entregue ao braço secular. No caso de ser impenitente e relapso, o herege deveria morrer, não obstante manifestasse seu arrependimento. E para completar sua condenação, no caminho para fogueira, seria pressionado a desistir dos seus erros. O que seria em vão, pois, mesmo que se arrependesse in extremis, não seria admitido no âmbito da Igreja. Quanto ao réu, não-relapso, que persiste negando, se, in extremis, disser que se arrepende e quiser confessar, mesmo se já está ardendo em chamas, escapará com vida, indo para a prisão perpétua. Era presumida, portanto, a culpabilidade do herege que não confessava.

A última parte do Manual responde a questões recorrentes, relativas às práticas inquisitórias, servindo como fonte de consulta rápida, caso o inquisidor se depare com as situações ali previstas. O autor começa por relacionar os requisitos que deve cumprir um inquisidor, entre os quais a idade mínima de quarenta anos e o doutorado em Teologia, Direito Canônico e Direito Civil. A autoridade do inquisidor lhe era delegada por meio de uma bula papal, e subsistia mesmo com a morte do papa que tivesse editado referida bula.

Sendo representantes do Papa, somente a ele os inquisidores deviam obediência e submissão, no que tange à representação. Assim, somente ao papa cabia punir diretamente os inquisidores com a destituição. PENA invoca Santo Tomás para lembrar que "é sempre melhor evitar punir os inquisidores, porque, com a punição, é a instituição inquisitorial que é atingida: logo ela não será mais respeitada e temida pela plebe ignara"

Nessa parte, Eymerich trata ainda das dúvidas quanto aos privilégios dos inquisidores, como o de não serem excomungados por um delegado da Santa Sé, sem que, para tal, houvesse uma ordem apostólica expressa. A finalidade do privilégio não era outra senão impedir interferências na prática do Santo Ofício. Não obstante os privilégios, o inquisidor não estava livre da excomunhão, que poderia ser-lhe aplicada pelo papa, quando, por exemplo não perseguisse quem deveria perseguir, ou quando, sob qualquer pretexto, no exercício de suas funções, extorquisse dinheiro. Como se vê, só a igreja poderia confiscar bens e dinheiro dos fiéis. Havia inclusive a preocupação de o dinheiro arrecadado com a imposição de penas pecuniárias ser desviado por membros do próprio clero, "bispos de mão fechada e bolsos recheados". Esse dinheiro deveria ser empregado principalmente, para o trabalho da Inquisição, pois, não poderia existir "causa mais nobre e instituição mais útil ao Estado que a Inquisição". A essa, junte-se a preocupação do inquisidor em evitar acusação pública de avareza e cupidez, razão porque PENA recomenda a moderação, na aplicação de penas pecuniárias.

Outra questão respondida nessa parte do manual refere-se à possibilidade de o inquisidor proceder contra os mortos que, antes ou depois do falecimento, fossem denunciados como hereges. Se em Direito Civil, a morte do culpado faz cessar qualquer possibilidade de perseguição por causa de um delito, esse princípio geral não valia para o delito de lesa-majestade divina, como era vista a heresia. PENA vai além, admitindo o julgamento do suposto herege, até 40 anos depois da sua morte, com o fim de confiscar-lhe os bens em proveito da igreja. Em se tratando de condenar a memória do morto, não havia limite temporal, podendo-se fazê-lo após 40 anos. Nesse caso, os filhos do falecido ficariam com seus bens, mas seriam declarados infames e inaptos para o exercício de cargos públicos. Embora lamente que a punição pudesse atingir o inocente, o autor afirma que a pena é juridicamente correta.

Quanto à indagação de o inquisidor pode obrigar os herdeiros de um herege que morreu, a suportar as punições que seriam aplicáveis ao, o autor responde afirmativamente, se a pena não disser respeito diretamente à pessoa, devendo ser cumprida em bens materiais (construção de um hospital, por exemplo).

Ainda nessa terceira parte, EYMERICH retoma, com detalhes, o assunto dos interrogatórios e da tortura, dispondo sobre as circunstâncias aplicáveis, o que dá uma dimensão da importância que tais métodos de investigação criminal tinham para o exercício da inquisição. Na falta de jurisprudência a respeito, o manual apresenta sete regras para determinar em que situações podia-se proceder à tortura, sendo uma delas quando o acusado vacilasse nas respostas. Recomendava a tortura também para o suspeito contra o qual só houvesse uma testemunha. Na presunção de culpa, uma única acusação era o suficiente.

A respeito da tortura, PENA adverte para o fato de que sua finalidade é menos de provar um fato do que obrigar o suspeito a confessar a culpa que cala. Assim, sendo possível provar o fato de outra maneira, sem torturar, não se deveria torturar. Ironicamente, qualificava como sanguinários juízes inquisidores que, em sua época, recorriam facilmente à tortura, sem tentar, através de outros meios, completar a investigação. Segundo ele, só se deveria recorrer à tortura nos delitos ocultos, mais difíceis de comprovar, não nos delitos manifestos. O inquisidor deveria ter sempre em mente que o acusado deve ser torturado de tal forma que saia saudável para ser libertado ou para ser executado. Tal preocupação, no entanto, não se fundava em quaisquer razões humanitárias, era apenas porque poderia obter a condenação de forma mais célere, sem o uso da tortura.

Além disso, PENA é inflexível ao dizer que, para o terrível crime de heresia não existe privilégio de exceção: todos podiam ser torturados. O motivo? O interesse da fé. E vai além, dizendo que esse rigor não deveria ser causa de espanto. Se para o crime de lesa-majestade não existia isenção nem privilégio, por que haveria para o crime de lesa-majestade divina, lembra ele. A despeito dessa afirmação, admitia exceções à regra geral, baseadas na idade e no estado dos acusados: não se submetiam à tortura crianças, velhos e mulheres grávidas. Contudo, as crianças com idade inferior a quatorze anos podiam, em sua opinião ser aterrorizadas e chicoteadas, assim como os velhos. Ainda defendia que padres e religiosos não fossem torturados por leigos, mas por seus pares.

Relativamente às testemunhas, os autores concordam com a faculdade conferida ao inquisidor para mandar torturá-las com o fim de obrigá-las a contar a verdade ou, para puni-las, por prestarem um falso testemunho. Qualquer desses casos (não testemunhar, ou prestar um falso testemunho), equivalia a colocar obstáculos ao exercício do trabalho da Inquisição. PENA apenas ressalvou que os filhos e descendentes dos culpados de falso testemunho não seriam infamados, como acontecia aos descendentes dos condenados pelo delito da heresia (considerada mais grave que o falso testemunho).

No procedimento inquisitorial, ninguém escapava da obrigação de testemunhar sob juramento. Nada de privilégios ou exceções a este princípio. Se havia uma atenuante era para quem não denunciasse o cônjuge, um membro da família ou um amigo, que em função disso, não seria perseguido como benfeitor da heresia, mas como contumaz, por desobediência à ordem inquisitorial. Fora este tipo de circunstância, não testemunhar correspondia a declarar-se inimigo da fé da Igreja.

Os depoimentos deviam ser claros, límpidos, sem ambigüidades, pois, em matéria de fé, o acréscimo ou a omissão de uma palavra numa frase poderia ser suficiente para modificar o sentido de uma declaração, transformando um dogma em heresia, e vice-versa. Em caso de dúvida, considerava-se a interpretação da declaração (se fosse escrita) que inocentava o acusado. Todavia, se a frase ambígua fosse proveniente de um inglês ou um alemão, habitantes de países onde grassava a heresia, somente se aceitava a interpretação acusatória.

Ainda a respeito dos depoimentos, o autor esclarece que só se deveria recusar o testemunho de um inimigo mortal do acusado. Essa era a única exceção ao princípio geral sobre a validade universal dos testemunhos. Havia ainda a recusa do testemunho de um herege em favor de outro. Só era aceitável o testemunho desfavorável, nesse caso. Da mesma forma, só eram aceitos os depoimentos desfavoráveis, quando prestados pela mulher, filhos ou parentes do acusado de heresia. PENA discorda da opinião de EYMERICH, que negava a possibilidade de um herege testemunhar contra ou a favor de um fiel. Assim desconsidera tal opinião, admitindo sua validade somente para negar a importância de um testemunho de defesa vindo de um herege.

As orientações dos autores sobre a prática inquisitorial só vêm corroborar a conclusão de que o suspeito ou acusado de heresia era, de plano, visto como culpado e que sua condenação, ao cabo do processo, era quase uma certeza. Dentro da lógica dos inquisidores, não havia possibilidade de defender a verdade da fé, senão pela intolerância e a repressão. Nesse contexto, as parcas garantias processuais, como a possibilidade de apelação ao papa, e de ter um defensor eram apenas meios de conferir legitimidade ao processo inquisitorial. E nem se poderia concluir de forma diferente, já que o papel do advogado era "fazer o réu confessar logo e se arrepender, além de pedir a pena para o crime cometido". Além disso, se havia previsão de ter cinco testemunhas presentes aos interrogatórios de delatores e testemunhas, era para afastar as suspeitas de irregularidade, em relação ao processo.

Por fim, a ampla atividade persecutória da inquisição, não obstante seu propósito manifesto de defender a verdade da fé católica, pode ser vista como uma forma de a igreja prevalecer sobre o poder secular: preservava-se, assim, a hierarquia clerical e a autoridade do papa.


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Texto Dworkin - O que é uma vida boa?



http://www.direitogv.com.br/sites/default/files/12_REV14%20[607-616]%20-%20Ronald%20Dworkin%20-%20SCIELO.pdf

Alexy à Brasileira ou a Teoria da Katchanga

Alexy à Brasileira ou a Teoria da Katchanga
por George Marmelstein Lima


Na semana passada, viajei para Floripa para ministrar minha aula no módulo de direito constitucional na Emagis. Após as aulas, dei uma volta pela cidade com alguns juízes federais que participaram do curso e, através deles, ouvi a seguinte anedota:
Um rico senhor chega a um cassino e senta-se sozinho em uma mesa no canto do salão principal. O dono do cassino, percebendo que aquela seria uma ótima oportunidade de tirar um pouco do dinheiro do homem rico, perguntou se ele não desejaria jogar.
- Temos roleta, blackjack, texas holden’ e o que mais lhe interessar, disse o dono do Cassino.
- Nada disso me interessa, respondeu o cliente. Só jogo a Katchanga.
O dono do cassino perguntou para todos os crupiês lá presentes se algum deles conhecia a tal da Katchanga. Nada. Ninguém sabia que diabo de jogo era aquele.
Então, o dono do cassino teve uma idéia. Disse para os melhores crupiês jogarem a tal da Katchanga com o cliente mesmo sem conhecer as regras para tentar entender o jogo e assim que eles dominassem as técnicas básicas, tentariam extrair o máximo de dinheiro possível daquele “pote do ouro”.
E assim foi feito.
Na primeira mão, o cliente deu as cartas e, do nada, gritou: “Katchanga!” E levou todo o dinheiro que estava na mesa.
Na segunda mão, a mesma coisa. Katchanga! E novamente o cliente limpou a mesa.
Assim foi durante a noite toda. Sempre o rico senhor dava o seu grito de Katchanga e ficava com o dinheiro dos incrédulos e confusos crupiês.
De repente, um dos crupiês teve uma idéia. Seria mais rápido do que o homem rico. Assim que as cartas foram distribuídas, o crupiê rapidamente gritou com ar de superioridade: “Katchanga!”
Já ia pegar o dinheiro da mesa quando o homem rico, com uma voz mansa mas segura, disse: “Espere aí. Eu tenho uma Katchanga Real!”. E mais uma vez levou todo o dinheiro da mesa…
Ao ouvir essa piada, lembrei imediatamente do oba-oba constitucional que a prática jurídica brasileira adotou a partir das idéias de Alexy.
Como é do costume brasileiro, a teoria dos princípios de Alexy foi, em grande parte, distorcida quando chegou por aqui.
Para compreender o que quero dizer, vou explicar, bem sinteticamente, os pontos principais da teoria de Alexy.
Alexy parte de algumas premissas básicas e necessariamente interligadas:
(a) em primeiro lugar, a idéia de que os direitos fundamentais possuem, em grande medida, a estrutura de princípios, sendo, portanto, mandamentos de otimização que devem ser efetivados ao máximo, dentro das possibilidades fáticas e jurídicas que surjam concretamente;
(b) em segundo lugar, o reconhecimento de que, em um sistema comprometido com os valores contitucionais, é freqüente a ocorrência de colisões entre os princípios que, invariavelmente, acarretará restrições recíprocas entre essas normas (daí a relativização dos direitos fundamentais);
(c) em terceiro lugar, a conclusão de que, para solucionar o problema das colisões de princípios, a ponderação ou sopesamento (ou ainda proporcionalidade em sentido estrito) é uma técnica indispensável;
(d) por fim, mas não menos importante, que o sopesamento deve ser bem fundamentado, calcado em uma sólida e objetiva argumentação jurídica, para não ser arbitrário e irracional.
Os itens a, b e c já estão bem consolidados na mentalidade forense brasileira. Hoje, já existem diversas decisões do Supremo Tribunal Federal aceitando a tese de relativização dos direitos fundamentais, com base na percepção de que as normas constitucionais costumam limitar-se entre si, já que protegem valores potencialmente colidentes. Do mesmo modo, há menções expressas à técnica da ponderação, demonstrando que as idéias básicas de Alexy já fazem parte do discurso judicial.
O problema todo é que não se costuma enfatizar adequadamente o último item, a saber, a necessidade de argumentar objetivamente e de decidir com transparência. Esse ponto é bastante negligenciado pela prática constitucional brasileira. Costuma-se gastar muita tinta e papel para justificar a existência da colisão de direitos fundamentais e a sua conseqüente relativização, mas, na hora do pega pra capar, esquece-se de fundamentar consistentemente a escolha.
Por isso, todas as críticas que geralmente são feitas à técnica da ponderação – por ser irracional, pouco transparente, arbitrária, subjetiva, antidemocrática, imprevisível, insegura e por aí vai – são, em grande medida, procedentes diante da realidade brasileira. Entre nós, vigora a teoria da Katchanga, já que ninguém sabe ao certo quais são as regras do jogo. Quem dá as cartas é quem define quem vai ganhar, sem precisar explicar os motivos.
Virgílio Afonso da Silva conseguiu captar bem esse fenômeno no seu texto “O Proporcional e o Razoável”. Ele apontou diversos casos em que o STF, utilizando do pretexto de que os direitos fundamentais podem ser relativizados com base no princípio da proporcionalidade, simplesmente invalidou o ato normativo questionado sem demonstrar objetivamente porque o ato seria desproporcional.
Para ele, “a invocação da proporcionalidade [na jurisprudência do STF] é, não raramente, um mero recurso a um tópos, com caráter meramente retórico, e não sistemático (…). O raciocínio costuma ser muito simplista e mecânico. Resumidamente: (a) a constituição consagra a regra da proporcionalidade; (b) o ato questionado não respeita essa exigência; (c) o ato questionado é inconstitucional”.
Um exemplo ilustrativo desse fenômeno ocorreu com o Caso da Pesagem dos Botijões de Gás (STF, ADI 855-2/DF).
O Estado do Paraná aprovou uma lei obrigando que os revendedores de gás pesassem os botijões na frente do consumidor antes de vendê-los. A referida norma atende ao princípio da defesa do consumidor, previsto na Constituição. E certamente não deve ter sido fácil aprová-la, em razão do lobby contrário dos revendedores de gás. Mesmo assim, a defesa do consumidor falou mais alto, e a lei foi aprovada pela Assembléia Legislativa, obedecendo formalmente a todas as regras do procedimento legislativo.
A lei, contudo, foi reputada inconstitucional pelo STF por ser “irrazoável e não proporcional”. Que aspectos da proporcionalidade foram violados? Ninguém sabe, pois não há na decisão do STF. Katchanga!
No fundo, a idéia de sopesamento/balanceamento/ponderação/proporcionalidade não está sendo utilizada para reforçar a carga argumentativa da decisão, mas justamente para desobrigar o julgador de fundamentar. É como se a simples invocação do princípio da proporcionalidade fosse suficiente para tomar qualquer decisão que seja. O princípio da proporcionalidade é a katchanga real!
Não pretendo, com as críticas acima, atacar a teoria dos princípios em si, mas sim o uso distorcido que se faz dela aqui no Brasil. Como bem apontou o Daniel Sarmento: “muitos juízes, deslumbrados diante dos princípios e da possibilidade de, através deles, buscarem a justiça – ou o que entendem por justiça -, passaram a negligenciar do seu dever de fundamentar racionalmente os seus julgamentos. Esta ‘euforia’ com os princípios abriu um espaço muito maior para o decisionismo judicial. Um decisionismo travestido sob as vestes do politicamente correto, orgulhoso com os seus jargões grandiloqüentes e com a sua retórica inflamada, mas sempre um decisionismo. Os princípios constitucionais, neste quadro, converteram-se em verdadeiras ‘varinhas de condão’: com eles, o julgador de plantão consegue fazer quase tudo o que quiser” (SARMENTO, Daniel. Livres e Iguais: Estudos de Direito Constitucional. São Paulo: Lúmen Juris, 2006, p. 200).
Sarmento tem razão. Esse oba-oba constitucional existe mesmo. E não é só entre os juízes de primeiro grau, mas em todas as instâncias, inclusive no Supremo Tribunal Federal.
Isso não significa dizer que se deve abrir mão do sopesamento. Aliás, não dá pra abrir mão do sopesamento, já que ele é inevitável quando se está diante de um ordenamento jurídico como o brasileiro que aceita a força normativa dos direitos fundamentais.
O que deve ser feito é tentar melhorar a argumentação jurídica, buscando dar mais racionalidade ao processo de justificação do julgamento, através de uma fundamentação mais consistente, baseada, sobretudo, em dados empíricos e objetivos que reforcem o acerto da decisão tomada.
Abaixo a katchangada!

Caso Escher e outros vs. Brasil e sua importância para o processo penal brasileiro, Diogo Malan


Caso Escher e outros vs. Brasil e sua importância para o processo penal brasileiro
 Diogo Malan
Advogado
Professor Adjunto de Processo Penal da FND/UFRJ
Doutor em Processo Penal pela USP
Associado e Representante Regional do IBRASPP do Rio de Janeiro
 "Always the eyes watching you and the voice enveloping you. Asleep or awake, working or eating, indoors or out of doors, in the bath or in bed – no escape. Nothing was your own except the few cubic centimeters inside your skull."
GEORGE ORWELL, Nineteen eighty-four
No último dia 06.07.2009 a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), ao julgar o caso Escher e outros vs. Brasil, condenou o Estado brasileiro por violações aos direitos fundamentais à vida privada, à honra e à reputação, consagrados no artigo 11 da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH). 1
Em apertada síntese, os fatos que ensejaram tal condenação foram interceptações telefônicas autorizadas pelo Juízo da Comarca de Loanda/PR a pedido da Polícia Militar paranaense em 1999, cujos alvos eram integrantes de organizações sociais supostamente ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST).
O teor das comunicações telefônicas interceptadas foi posteriormente divulgado pela Secretaria de Segurança Pública do Paraná durante entrevista coletiva e por diversos veículos da mídia.
A CIDH entendeu caracterizada a violação ao sobredito dispositivo da CADH  em decorrência dos seguintes fatos: (i) os alvos da interceptação telefônica não estavam sendo submetidos a procedimento investigativo formal; (ii) a interceptação durou quarenta e nove dias, sem comprovação de prorrogação judicialmente autorizada ao final da primeira quinzena; (iii) a decisão judicial autorizadora da medida extrema não estava devidamente fundamentada; (iv) o Ministério Público não foi notificado da decretação da medida em apreço; (v) o sigilo sobre o conteúdo das comunicações interceptadas, que estavam sob custódia do Estado, foi violado.
Não é nosso objetivo emitir juízo de valor sobre as questões fáticas debatidas nessa sentença da CIDH, e sim apontar a importância de algumas das premissas jurídicas fixadas no bojo desse ato decisório para o processo penal brasileiro.
Com efeito, ao condenar o Estado Brasileiro a Corte de São José da Costa Rica reafirmou a importância e a normatividade do direito fundamental ao sigilo de comunicações telefônicas.
A CIDH incluiu expressamente no âmbito de proteção do direito fundamental a não sofrer ingerências arbitrárias ou abusivas na vida privada por parte do Estado ou de particulares (artigo 11 da CADH) a inviolabilidade das comunicações telefônicas (§§ 113 e 114). 2
Não obstante, a sentença reafirma que a intangibilidade das conversas telefônicas não caracteriza direito fundamental absoluto, podendo ele sofrer restrições desde que estas não tenham cariz abusivo ou arbitrário.
Para legitimar tais restrições, é necessária a presença de três requisitos cumulativos: (i) legalidade; (ii) legitimidade dos fins; (iii) idoneidade, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito (§§ 116 e 129).
Quanto ao primeiro aspecto, a Corte entende que a medida restritiva deve ter seus pressupostos, circunstâncias autorizadoras e procedimento probatório definidos, de forma clara e detalhada, na lei – em sentido formal e material (§§ 130 a 132).
Mais adiante, a CIDH reafirma que a decisão judicial autorizadora deve estar fundamentada de maneira substancial, através de argumentação racional que considere as alegações das partes processuais e os elementos informativos carreados aos autos, além de demonstrar a ponderação de todos os requisitos legais da medida (§ 139).
Ademais disso, a Corte entendeu ser dever do Estado assegurar o sigilo sobre o teor de comunicações telefônicas interceptadas durante investigação criminal, para fins de: (i) proteção da vida privada dos alvos da interceptação; (ii) resguardo da eficácia da própria apuração dos fatos; (iii) viabilização de "adequada administração da Justiça". Assim, o sobredito teor deve ser acessível a número reduzido de servidores públicos (§ 162).
Ante o exposto, é lícito concluir que a sentença prolatada pela CIDH no caso Escher e outros vs. Brasil representa importante precedente jurisprudencial no sentido de reafirmar a importância, âmbito de proteção e densa estrutura normativa do direito fundamental à inviolabilidade de comunicações telefônicas 3 consagrado no artigo 11 da CADH.
Nada obstante, no sistema de administração da Justiça criminal brasileira infelizmente ainda persiste caldo cultural de base ideológica autoritária, portanto refratário à assimilação dos valores democráticos hauridos do Pacto de São José da Costa Rica e da jurisprudência da CIDH, inclusive a força normativa do direito fundamental à inviolabilidade de comunicações telefônicas. 4
Consequência direta desse fenômeno social é certo grau de banalização do emprego da medida cautelar de interceptação de comunicações telefônicas verificada na prática forense contemporânea. 5
Com efeito, malgrado se trate de meio de busca de prova de cariz excepcional, cuja finalidade é permitir a descoberta e localização de provas materiais, o que se vê na prática é sua vulgarização como instrumento investigativo de prima ratio, mesmo havendo outras formas possíveis de apuração dos fatos.
O que é pior: não são raras no País as interceptações telefônicas autorizadas com base somente em notícia-crime anônima ou sem a imprescindível instauração formal de procedimento investigativo previsto em lei (v.g. procedimentos administrativos criminais amorfos; medidas cautelares atípicas etc.) ou até mesmo nos autos de procedimentos administrativos ou processos judiciais de natureza extrapenal.
Tampouco são incomuns decisões judiciais autorizadoras da medida em apreço ou sua prorrogação que possuem fundamentação aparente, sequer ponderando casuisticamente os requisitos constitucionais (artigo 5º, XII, LIII e LIV da Lei Magna) e legais (artigos 1º e 2º da Lei nº. 9.296/96) da medida extrema, dentre os quais avulta a importância da proporcionalidade. 6
No plano midiático, também se verifica certo grau de fetichização – consciente ou inconsciente – do poder punitivo, hoje a referência hegemônica do discurso dos meios de comunicação de massa. 7 Reflexo disso é a sedimentação de cultura favorecedora da permissividade e impunidade quanto ao crime (artigo 10 da Lei nº. 9.296/96) de divulgação do conteúdo sigiloso de conversas telefônicas interceptadas que estão sob a guarda do Estado, inclusive para fins simbólicos ou midiáticos (v.g. propaganda institucional de órgãos públicos).
De fato, aparenta prevalecer no sistema de administração de Justiça criminal a
concepção de que o direito ao sigilo de comunicações telefônicas supostamente seria
subterfúgio para acobertar atos criminosos, a exigir pronto sacrifício no altar da defesa social
contra a criminalidade. Tal grave deformação cultural impede a percepção da importância
desse direito como instrumento de proteção da cidadania contra o arbítrio, a onipotência e o
exercício abusivo do poder estatal.

A resistência a esse discurso, na academia e no foro, é imprescindível para a construção de um Processo Penal democratizado e respeitoso dos compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro na tutela dos Direitos Humanos. Oxalá a sentença prolatada no caso Escher e outros vs. Brasil sirva de alerta para a necessidade de se levar a sério o direito fundamental ao sigilo de comunicações telefônicas neste País. 8
Notas
1 CIDH, Caso Escher e outros vs. Brasil, sentença de mérito de 06.07.2009. Disponível em:
<http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_200_esp1.pdf>. Acesso em 08.07.2012.
2 No mesmo sentido: CIDH, Caso Tristán Donoso vs. Panamá, sentença de mérito de 27.01.2009 (§§ 55 a 57). Disponível em: <http://corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_193_ing.pdf>. Acesso em 08.07.2012.
3 URBANO CASTRILLO, Eduardo de. El derecho al secreto de las comunicaciones. Madrid: La Ley, 2011.
4 Sobre o conceito de autoritarismo na acepção de ideologia política, ver: FRAGOSO, Christiano. Autoritarismo e sistema penal, p. 86-92. Tese de Doutorado apresentada à Faculdade de Direito da UERJ (2011). Sobre a formação cultural inquisitiva dos protagonistas do sistema penal brasileiro, ver: CARVALHO, Salo. O papel dos atores do sistema penal na era do punitivismo, p. 73 e ss. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
5 CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. A farra dos grampos telefônicos no Brasil, In: Gazeta Mercantil, Caderno A, p. 13, 18.08.2008.
6 GONZALEZ-CUELLAR SERRANO, Nicolas. Proporcionalidad y derechos fundamentales en el proceso penal. Madrid: Colex, 1990.
7 BATISTA, Nilo. A criminalização da advocacia, In: Revista de Estudos Criminais, Porto Alegre, n. 20, p. 85-91, out./dez. 2005.
8 DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1978.
BIBLIOGRAFIA:
BATISTA, Nilo. A criminalização da advocacia, In: Revista de Estudos Criminais, Porto
Alegre, n. 20, p. 85-91, out./dez. 2005.
CARVALHO, Salo. O papel dos atores do sistema penal na era do punitivismo. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2010.
CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. A farra dos grampos telefônicos no Brasil, In: Gazeta
Mercantil, Caderno A, p. 13, 18.08.2008.
CIDH, Caso Escher e outros vs. Brasil, sentença de mérito de 06.07.2009. Disponível em:
<http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_200_esp1.pdf>. Acesso em
08.07.2012.
CIDH, Caso Tristán Donoso vs. Panamá, sentença de mérito de 27.01.2009. Disponível em:
<http://corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_193_ing.pdf>. Acesso em 08.07.2012.
DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1978.
FRAGOSO, Christiano. Autoritarismo e sistema penal. Tese de Doutorado apresentada à
Faculdade de Direito da UERJ (2011).
GONZALEZ-CUELLAR SERRANO, Nicolas. Proporcionalidad y derechos fundamentales
 
 
en el proceso penal. Madrid: Colex, 1990.
URBANO CASTRILLO, Eduardo de. El derecho al secreto de las comunicaciones. Madrid:
La Ley, 2011.
 
 












 

 

Anonimato e Internet

A vedação autoritária ao direito de anonimato na constituição brasileira e sua repercussão nas redes sociais"
Vc encontra no blog  http://www.cella.com.br/blog/?p=24378

Segue o link e a pagina da organização freenet
http://youtu.be/2Ep8wY3hV0E

http://freenetfilm.org.br/

Curso Mediação com Juan Carlos Vezzulla no Rio de Janeiro em setembro. Recomendo

Caros colegas
O Juan Carlos Vezzulla irá organizar um curso de mediação no Rio de Janeiro em Setembro. Pensador reconhecido internacionalmente, seu trabalho merece ser conhecido. Grande abraço

Alexandre
Seguem os detalhes:

Assunto: CURSO ESA/OAB - MEDIAÇÃO FAMILIAR - JUAN CARLOS VEZZULLA
Para:

CURSO DE EXTENSÃO EM MEDIAÇÃO FAMILIAR - de 17 a 28 de setembro de
2012 - das 18h30 às 21h30
Professor: JUAN CARLOS VEZZULLA
Psicólogo (Universidad del Salvador, Buenos Aires), Mestre em Serviço
Social (Universidade Federal de Santa Catarina,  Florianópolis),
Doutorando em Direito, Justiça e Cidadania no Século XXI (Universidade
de Coimbra, Portugal).  Co-fundador e Presidente Científico dos
Institutos de Mediação e Arbitragem do Brasil e de Portugal. (IMAB e
IMAP).  Formador de mediadores em países de América Latina, Europa e
África.  Coordenador da Formação de Mediadores das Varas da Infância e
da Juventude do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Brasil (desde
2011).  Coordenador do Programa de Capacitação em Mediação Comunitária
do Ministério de Justiça do Brasil. (2009-2011).  Consultor em
mediação da ONU, o PNUD e a União Européia.  Medalha à Paz e à
Concórdia outorgada pela Universidad de Sonora e o Instituto de
Mediación de México. (2008)

Aula 1 - 17/09 - Revisão dos conceitos de família e de mediação familiar
Aula 2 - 18/09 - Continuação: Revisão dos conceitos de família e de
mediação familiar
Aula 3 - 19/09 - A transformação de litigioso a consensual
Aula 4 - 20/09 - A revisão na mediação da história familiar para a
construção do presente e a programação do futuro.
Aula 5 - 21/09 - Continuação: A revisão na mediação da história
familiar para a construção do presente e a programação do futuro. As
intervenções do mediador.
Aula 6 - 24/09 - As crianças na mediação. A responsabilidade parental.
Aula 7 - 25/09 - A presença das crianças e dos adolescentes na
mediação familiar.  Procedimentos e Técnicas.
Aula 8 - 26/09 - Prática Simulada de uma mediação familiar
Aula 9 - 27/09 - Análise das simulações. Esclarecimentos e discussão de casos.
Aula 10 - 28/09 - Revisão de conceitos. Prática Final.

CARGA HORÁRIA: 30 h/a
INSCRIÇÃO: site da OAB/RJ - www.oabrj.org.br
VALOR: R$ 360,00
LOCAL DAS AULAS: ESA/RJ (Avenida Marechal.Câmara, no. 150, 2º andar -
2272 - 2097 - e-mail: esa@oabrj.org.br)

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Úrsula Freitas
Av. Nilo Peçanha nº 12 - sala 726 -  Centro - Rio de Janeiro - RJ
CEP: 20.020-100
tel: (21) 2292-9334/ 2292-9553
Assessoria Jurídica à Familia

Link com textos de Marx


http://www.marxists.org/archive/marx/works/cw/index.htm

Contardo Calligaris

Contardo Calligaris


Onde está Batman?


 Dizem que Batman fez falta em Aurora, Colorado; mas talvez ele estivesse lá, disfarçado de espectador


 O filme "O Cavaleiro das Trevas" estreia amanhã. Pelo trailer, entendi que Batman reaparece em Gotham City, que precisa dele, desesperadamente. O novo vilão que assola a cidade é Bane, vestido de colete à prova de balas e máscara antigás.


 Na madrugada do dia 20, em Aurora, Colorado, um tal James Holmes, 24, vestido à la Bane e armado de rifle, espingarda e duas pistolas, atirou na plateia que assistia à pré-estreia do filme. Ele matou 12 pessoas e feriu dezenas. Por sorte, a arma mais letal, o rifle, travou no meio da matança.


 Na noite do massacre, a frase que pipocava na tela era: "Where is Batman when we need him?", onde está Batman quando precisamos dele?


 Entre os espectadores sobreviventes, vários vestiam a camiseta com o logo do morcego. Alguns talvez estivessem completamente a caráter, pois existe, nos EUA, o hábito de comparecer a uma estreia vestindo o figurino de um personagem do filme. Ora, os espectadores disfarçados de Batman não supririam a falta de Batman. Em compensação, é possível que tenha acontecido o inverso: talvez Batman tenha comparecido lá, em Aurora, disfarçado de espectador.


 Jon Blunk, Matt McQuinn e Alex Teves jogaram suas namoradas no chão e as protegeram dos tiros com seu corpo: eles se sacrificaram, e elas se salvaram. E Jarell Brooks, 19 anos, no meio daquele inferno, empurrou na sua frente e levou até à saída Patricia Legarreta com suas duas filhas pequenas, que ele encontrou perdidas no escuro e nos disparos. Patricia e as meninas se salvaram. Jarell não morreu, mas, ao amparar as três como um escudo, foi baleado nas costas.


 Fazer a coisa certa não é um automatismo: o marido de Patricia e pai das meninas, por exemplo, desorientado no meio do massacre, encontrara só a saída, não a mulher e as filhas, que ficaram por conta.


 Em suma, talvez Batman estivesse naquele cinema de Aurora, disfarçado de Jarell Brooks, Jon Blunk, Matt McQuinn e Alex Teves.


 Infelizmente, além de Batman em vários disfarces, no cinema de Aurora, havia também seus (e nossos) inimigos -James Holmes estava disfarçado de Bane e com os cabelos do Curinga.


 A moral dessa história é que os "ruins" se vestem de Bane ou de Curinga: eles querem se destacar, mostrar ao mundo que eles são únicos e confirmar seu "glamour" graças ao nosso olhar -admirativo ou apavorado, pouco importa, contanto que fiquemos vidrados neles.


 Em tese, a mesma coisa poderia ser dita de Batman, que, apesar de não revelar sua identidade, é tão espalhafatoso quanto qualquer Curinga. Só que Batman não esteve em Aurora. Em Aurora, nossos heróis, os "bons", ao contrário do assassino, foram quase invisíveis.


 Como explicar o que aconteceu aos nossos filhos? Acharia bom lhes dizer que o que aconteceu (ou algo parecido) vai acontecer sempre; e, quando acontecer, não poderão contar com a chegada de Batman, mas poderão, isso sim, descobrir se há um Batman neles, ou não.


 Nota. Barbara Gancia continua discutindo com uma coluna misteriosa, que eu nunca escrevi. Cito Marcius Lepick, um dos leitores que me comunicaram seu e-mail para Barbara: "Oi Barbara, li seu artigo em que critica o texto do Contardo Calligaris (...), acho que você teve dificuldades em compreendê-lo, (...) lendo seu artigo parece que o colunista desmerece o AA, na verdade ele diz exatamente o oposto: 'Se você precisar se desfazer de um desses hábitos, procure encorajamento em qualquer programa que o leve a encontrar outros que vivem o mesmo drama e querem os mesmos resultados que você'. (...) Quando ele diz que 'Deu certo, mas, depois de um tempo, houve uma recaída brutal', foi você quem tomou a expressão 'Dar certo' como significar uma cura permanente, (...) está claro no texto do Contardo que ele respalda sua tese, e do AA, de que não há cura definitiva para esses casos, e sim uma luta diária. (...)


 Quanto à internação, em nenhum momento Calligaris a defendeu, apenas disse que o grupo respaldou a ideia, Calligaris não fez nenhum juízo de valores sobre o fato, se a internação vai contra a filosofia do AA, talvez valha a ti tentar descobrir qual grupo, e em que circunstâncias isso ocorreu, agora o que não procede é criticar o colunista, pois ele nem remotamente defendeu a ideia, apenas relatou um fato, sua intenção era apenas apresentar um caso que ensejasse a discussão que lhe interessava, cuja conclusão coincide completamente com o seu ponto de vista e do AA.


 Bom recomendo uma nova leitura do texto do Calligaris, e boa sorte na sua luta dentro do AA".

Ficha Limpa - para pensar com Ruy Samuel Espíndola

Mensagem do Ruy:




Vale ler, meu amigos.


Selecionem o que quiserem para ler.


Esse acórdão anexo resume todos os temas enfrentados nas duas ADC´s (29 e 30) e na Adin, que enfrentou o STF em fevereiro deste ano


Mas é triste ver que a razão e a Constituição ficaram de lado na Suprema Corte.


Esse acórdão retrata um dos maiores retrocessos do STF, no plano dos direitos fundamentais. E vários retrocessos, sob diversos direitos.


Demoraremos muito para recobrar as conquistas perdidas, em nome do moralismo eleitoral contra constitutione. Devemos brigar para que "o câncer" não ocasione metástase par outras áreas do Direito, no Brasil.


Que a Presidente Dilma pense bem quem vai colocar na vaga dos Ministros Britto e Peluso, que se aposentam em novembro, e setembro, respectivamente.


Que sejam Ministros comprometidos com a Constituição, a cultura jurídica e realmente ciosos da independência de um juiz Supremo e do papel da Suprema Corte.


Ler o voto do Ministro Gilmar, Celso de Mello e Peluso, e parte do voto do Dias Tofoli, e  comparar com os votos vencedores, nos dá uma certa tristeza, de ver que a razão sucumbiu, e não foi melhor direito ou os melhores argumentos que triunfaram.


Mas vai minha contribuição para que cada um tenha a sua opinião, independente da minha, que pode estar muito errada, e muito equivocada, e não esteja vendo todos os lados da questão...


Todavia, nestes debate da lei ficha limpa, estou na espera de argumentos que me façam ver o que não estou a ver... argumentos consistentes, entrelaçados com a totalidade da Constituição e com os pactos internacionais de direitos humanos que o Brasil assinou.



Relembro só o que já escrevi sobre o assunto:



ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. A Lei FichaLimpa em revista e os empates no STF. O dilema entre o politicamente correto eo constitucionalmente sustentável. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n.2711, 3 dez. 2010. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/17925>.Acesso em: 1 maio 2011.

ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. STF,insegurança jurídica e eleições em 2012: Até quando o embate entre moralistas econstitucionalistas em torno da lei ficha limpa? Jus Navigandi,Teresina, ano 16, n. 2827, 29 mar. 2011.Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/18790>.Acesso em: 2 maio 2011.


Moralistas versus Constitucionalistas – o caso Roriz,no STF – Conjur e  Adriano da Costa Soares; setembro de 2010;
  
ESPÍNDOLA,Ruy Samuel. Lei Ficha Limpa estadual e limites constitucionais de suaprodução legislativa. Análise da inacessibilidade a cargos em comissão porcondenados por improbidade administrativa sem trânsito em julgado: o caso dalei catarinense. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3051, 8 nov.2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20385>.Acesso em: 8 nov. 2011.
 
ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Abuso do poder regulamentar e TSE: contaseleitorais rejeitadas e quitação eleitoral. As eleições de 2012 (reflexos do“moralismo eleitoral”). Jus Navigandi, Teresina, ano17, n.3228, 3 maio 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21674>. Acesso em: 6 maio 2012. Leia mais: http://jus.com.br/revista/texto/21674/abuso-do-poder-regulamentar-e-tse-contas-eleitorais-rejeitadas-e-quitacao-eleitoral#ixzz1u4OY6zDe





Índice
do acórdão proferidona Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 29 - STF, Relator Ministro LuizFux – Tema: constitucionalidade das hipóteses de inelegibilidade da lei fichalimpa (acórdão em anexo)
1.     Ementa p. 01-04
2.     Relatório p. 05-09
3.     VotoRelator Ministro Fux p. 14-44
4.     Esclarecimentos e debates p. 45-50
5.     Ata sessão p. 51
6.     Voto-vistaMinistro Joaquim Barbosa p. 52-68
7.     Debates p. 69-71
8.     Retificaçãode voto Ministro Fux p. 72-74
9.     Ata sessão p. 75
10.Voto-vistaMinistro Dias Tofoli p. 76-119
11.Esclarecimentos e debates 120-143
12.VotoMinistra Rosa Weber 144-174
13.Debates 175-186
14.Debates antes voto Min. CarmemLúcia p. 187-190
15.VotoMinistro Carmem Lúcia p. 191-216
16.Ata sessão 217
17.Debates antes voto MinistroLewandowski p. 218-229
18.VotoMinistro Ricardo Lewandowski p. 229-249
19.Esclarecimentos e debates p.250-252
20.VotoMinistro Carlos Ayres Brito (debates de permeio) p. 253-260
21.VotoMinistro Gilmar Mendes 261-315
22.Debates 316-356
23.VotoMinistro Celso de Mello (debates de permeio) p. 357-370
24.VotoMinistro Cesar Peluso p. 371-380
25.Elogios à Presidência da sessão p.381-382
26.Ata da sessão p. 383

Livro: Qual é o jogo do processo? L. A. Becker. Fiz o prefácio

Caros: Segue o link para aquisição do livro "Qual é o jogo do processo?" de L. A. Becker. Um texto fenomenal e sem as amarras da academia. Conjuga teoria séria com sacadas fantásticas. Recomendo. Muito.


http://www.livrariafabris.com.br/site/produtoDetalhe.asp?idProduto=5254&idProdutoGrupo=7&idProdutoSubGrupo=0

Segue o prefácio que fiz ao livro:

Prefácio

 

Giorgio Agamben, em Profanaciones, afirma que: "Los latinos llamaban Genius al dios al que viene confiada a tutela de cada homble en el momento de su nacimento. La etimología es transparente y todavía es visible en nuestra lengua en la proximidad entre genio y generar o engendrar. Por otra parte, el hecho de que Genius estuviera relacionado con el engendramiento se hace evidente cuando vemos que, para los latinos, el objeto ´genial´ por excelencia era la cama: genialis lectus, porque en él se lleva a cabo el acto del engendramiento. El día del nascimento era sagrado para Genius, y por eso nosotros lo llamamos gentlíaco. Los regalos y los banquetes con los que celebramos el cumpleaños son, a pesar del odioso y ya inevitable estribillo anglosajón, um recuerdo de la fiesta y de los sacrificios que las familias romanas ofrecían al Genius en el natalicio de sus miembros. Horacio habla de vino puro, de un cerdito de dos meses, de um cordero ´inmolado´, es decir rociado con la salsa para el sacrificio. Pero parece que, en el origen, no había más que incenso, vino y deliciosos panes con miel, porque a Genius, el dios que preside el nascimento, no le gustaban los sacrificios sangrientos."

L. A. Becker é daqueles sujeitos que a vida nos apresenta e, de alguma forma, não se sabe como, acontece uma amizade. Por certo que a internet propiciou troca de mails e discussões que não poderiam ser travadas pessoalmente. Nesses longos anos de amizade, de troca, talvez tenhamos nos visto umas três vezes. A distância e o lugar de cada um, todavia, fez surgir embate que fez e faz pensar! Não é o caso de dizer sobre o conteúdo do livro, dado que o prefácio não deveria servir como resumo. Quem desejar, se desejo houver, deve ir ao livro que segue. O que importa dizer é que o autor convive com seu Genius de maneira tormentosa. Uma ambivalência própria de poucos, os quais trabalham consigo em face de uma dívida, cuja quitação simbólica, todavia, não pode acontecer. Ainda assim se arriscam em viver e perder. A publicação desse livro é contemporânea de uma perda; a perda da titular de uma dívida. Representa, ao meu ver, acerto de contas com quem não pode mais dar quitação, mas pode, do seu lugar, chancelar o reaparecimento do autor. Não sei o efeito da publicação no desejo do autor. O que posso atestar é que o extravassamento dos papéis guardados demonstram que o arquivo existe e precisa ser visto.


Isso porque o sujeito, clivado, por sorte, entra em cena quando enuncia o discurso que emerge do contato com o texto. Este contato, por sua vez, varia conforme os humores do dia. Claro. O que o texto desperta é algo que joga com a estrutura do sujeito leitor, da qual ele, de fato, pouco sabe. Por isto a leitura não pode ser objetiva justamente porque existe (ou deveria existir) um sujeito implicado no texto e na leitura, sem que o emissor da mensagem, como autor, possa segurar o sentido, sempre singular, que dele advém. E podem ser muitos. Democraticamente. Joga-se com o texto e o sujeito, sendo que o deslizar do significante mostrado está para além do que o significado pode cercar. Os mecanismos que são chamados a compor o sentido não podem ser garantidos por qualquer metalinguagem, salvo imaginariamente. Resultado é que mesmo que o autor do texto represente algo em sua mente, o leitor não está compromissado com isto. Até porque, sabe-se, que se diz onde não se diz, ou seja, existe uma gama significante no silêncio, aponta Orlandi. Como a psicanálise busca ouvir o inconsciente, onde ele escapa, as pretensões epistemológicas são o que sempre foram: ficções garantidas pelo eu. E o eu é da periferia, diz Agostinho Ramalho. No sentido, o leitor está implicado por sua fantasia nuclear, pelos restos do complexo de Édipo, enfim, sem sujeitos universais. A empulhação universal da leitura objetiva desconsidera a singularidade e que cada resposta ao texto será única, de acordo com as necessidades, defesas (in)conscientes e valores, no tempo e espaço. Nela se joga com a identificação, projeção, introjeção, transferência, etc... Sem certezas definitivas. A cadeia de significantes não se inicia com o texto. O leitor, o autor, as condições, intervém no sentido. O sujeito precisa se acomodar com o que quer ver e o que pode ver, porque o seu desejo, sujeitado ao desejo do Outro, afeta mais o sentido do que o orgulhoso sujeito da modernidade pode aceitar. Norman Holland chama isto de "leitura transativa", na qual o enigma de cada interpretação individual joga com a singularidade e os fantasmas, defesas e fantasias próprias do leitor.


Escreve-se para dar sentido ao mundo vivido (Ernildo Stein), quer na decisão, quer nas pretensões de validade. Parece que pouco mais resta do que isso. Não é pouco, todavia. Poder dizer o que não se pode, eis a angústia. Só que a mensagem, exprimível no Simbólico, nunca diz, por impossível, o Real, que escapa. Ao nominar, dizia Lacan, fundamentado, dentre outros, em Wittgenstein, se vela. O desvelar se produz, no limite do possível, num diálogo intermitente do sujeito com o outro e o Outro (Lacan). Desde o giro linguístico, plenamente acolhido nesta comunicação, a interpretação não pode ser mais vista de forma objetiva, apesar de ser sedutora a hipótese, dado que permaneceria no registro do Imaginário. Na perspectiva democrática os acordo intersubjetivos são importantes, sem que se caia, por evidente, nos universalismos ilusórios habermasianos. Para além do assentimento sincero, existem mecanismos inconscientes que roubam a cena, conforme deixa evidenciada a psicanálise. Por isso procedem as críticas de Bento Prado Jr. acerca do projeto habermasiano, no sentido de que a leitura da psicanálise a partir da psicologia do eu efetuada por Habermas, renegou o silêncio e o inconsciente na formulação do consenso intersubjetivo. De maneira que o inasfastável buraco é de ser apontado com Agostinho Ramalho: "Há essa dimensão que ultrapassa tudo aquilo que o sujeito pode pôr de intencionalidade no seu discurso. O inconsciente é uma referência a esse ultrapassamento, a isso que está para além do discurso. Toda a fala é acompanhada de um cortejo de silêncios, que tem uma enorme eloqüência. O que não se diz é frequentemente mais significativo do que o que se diz."


O perigo da interpretação objetiva é reputar que o não-dito desimporta. Pelo contrário. A leitura cruzada com a Psicanálise sabe da importância das reticências... A linguagem é da ordem do não-todo. Provém do Real, de impossível acesso. Nesta angústia de dizer o todo, de bom grado, a Literatura é um coadjuvante importante. Não para psicanalizar o autor e muito menos para se detectar um ilusório inconsciente do leitor, no caso, as partes e seus procuradores. Toda leitura é individual, articulada no tempo, espaço e, sempre, deslizando entre os significantes que não seguram. A Verdade verdadeira, a verdade que se esconde por detrás do texto, herança da Filosofia da Consciência, não se sustenta após o giro lingüístico. Desde então, salvo para os mais felizes, o sujeito encontra-se na e pela linguagem (Lenio Streck). Desta falta como significante um é que emerge o sujeito, na hiância do possível. O feliz para sempre é impossível. Até porque o paraíso está perdido, graças a Deus. Nesta busca por sentido, o sujeito está perseguindo seu objeto a (Lacan), que permite, se houver desejo, flanar pela existência em busca de suas paixões. Na ânsia de ir ao encontro do que se perdeu, por sorte. Este sujeito dividido pela linguagem pode escrever para buscar tocar a borda do Real. Nesse movimento, por certo, o que enuncia significa, para o outro, algo que não pode segurar, nem garantir.


O significante, sem meta-linguagem, propicia o desvio da pretensa objetividade, rumando o sentido. Desta forma, o ator jurídico participa da leitura, indicando pretensões de validade, restringindo o uso de significantes, enfim, atuando no processo. A busca de prazer, então, pode funcionar no julgamento cobrando dívidas e, a adoção de uma postura inquisitória e paranóica pode ser uma estratégia para reduzir as ansiedades ocasionadas pelos conflitos internos, mediando desejo, culpa e realidade. Cada decisão joga, via exceção soberana (Agamben), com o mito pessoal dos enleados, sendo uma construção discursiva em que a subjetividade do julgador desempenha um papel fundamental, mesmo que alienado de sua responsabilidade ética e democrática. Como o sujeito evita o que não lhe dá prazer, para um justiceiro, será muito difícil absolver, pois imaginariamente estaria pecando com sua missão de perseguir o mal na terra (Gabriel Divan). E no processo seguinte: aqui vou eu outra vez cumprindo a missão de pastoreiro e salvação dos pecadores. As fantasias imaginárias se repetem, sabe-se, infinitamente, até porque não podem ser satisfeitas.

De toda sorte, cabe anotar que quando Dworkin defende a visão literária, a saber, de se entender a partir da metáfora do "romance em cadeia" (Vera Chueiri, Marcelo Cattoni), no qual a liberdade é condicionada à trama pressionada pela tradição institucional que o constrange simbolicamente, há um ganho democrático que deve ser levado em consideração. Isto porque a construção da "resposta correta" (Dworkin), adequada constitucionalmente, como aponta Lenio Streck, é uma sofisticação no processo hermenêutico.


Mas tudo isso não se resolve com "Manuais". Há necessidade se de compreender a partir do horizonte de sentido que cada um possui, num diálogo com o seu Genius. Continua Agamben "Comprender la concepción del homble implícita en Genius significa entender que el hombre no es sólo Yo y conciencia individual, sino que, desde el nascimento hasta la muerte, convive además con un elemento impersonal y preindividual. El hombre es, por tanto, un ser único con dos fases, que resulta de la copleja dialéctica entre una parte no (todavía) individuada y vivida, y una parte ya marcada por la suerte y la experiencia individual. (...) Genius es quien rompe la pretensión de Yo de bastase a sí mismo. (...) Vivier con Genius significa, en ese sentido, vivir en la intimidad de un ser extraño, mantenerse constantemente em relación con una zona de no-conciencia." Esse texto de L. A. Becker pode ser lido como a tentativa do autor de lidar com o seu Genius. O fato de vir ao público, por si, representa acerto de contas de dívida impagável, com a qual temos que conviver.


Posso dizer, ao final, que faço parte do Genius com o qual o autor se debate e o mais estranho de mim mesmo se faz presente. A vida segue em romances em cadeia, cujo fim provoca novos e infinitos recomeços. Boa leitura.


 

Florianópolis, 2012.


 

Alexandre Morais da Rosa (Doutor em Direito – UFPR, Professor Adjunto da UFSC e Juiz de Direito - TJSC)

Advocacia e ilegalidade anti-índio - Dalmo Dallari*

Advocacia e ilegalidade anti-índio
Jornal do Brasil Dalmo Dallari*

Uma portaria publicada recentemente, com a assinatura do advogado-geral da União, contém evidentes inconstitucionalidades e ilegalidades, pretendendo revogar dispositivos constitucionais relativos aos direitos dos índios, além de afrontar disposições legais. Trata-se da Portaria nº 303, de 16 de julho de 2012, que em sua ementa diz que “dispõe sobre as salvaguardas institucionais às terras indígenas”.
Antes de tudo, para que fique bem evidente a impropriedade da portaria aqui examinada, é oportuno lembrar o que é uma portaria, na conceituação jurídica. Em linguagem simples e objetiva Hely Lopes Meirelles, uma das mais notáveis figuras do direito brasileiro, dá a conceituação: “Portarias são atos administrativos internos, pelos quais o chefe do Executivo (ou do Legislativo e do Judiciário, em funções administrativas), ou os chefes de órgãos, repartições ou serviços, expedem determinações gerais ou especiais a seus subordinados, ou nomeiam servidores para funções e cargos secundários” (Direito administrativo brasileiro, São Paulo, Ed. Rev.Trib., 1966, pág. 192).
Como fica evidente, a portaria não tem a força da lei nem da jurisprudência, não obrigando os que não forem subordinados da autoridade que faz sua edição. No entanto, a Portaria nº 303, de 16 de julho de 2012, do advogado-geral da União, diz que o advogado-geral da União, no uso de suas atribuições, resolve: “artigo 1º. Fixar a interpretação das salvaguardas das terras indígenas, a ser uniformemente seguida pelos órgãos jurídicos da Administração Pública Federal direta e indireta...”.
É evidente a exorbitância, pois o advogado-geral da União não tem competência para impor sua interpretação a quem não é seu subordinado. Essa é uma das impropriedades jurídicas da referida portaria.
Para dar uma aparência de suporte jurídico aos dispositivos da portaria, nela foram inseridas, literalmente, restrições aos direitos constitucionais dos índios constantes de argumentação expendida pelo ministro Menezes Direito no julgamento recente do caso reserva Raposa Serra do Sol, dos índios ianomâmi. A questão jurídica pendente do julgamento do Supremo Tribunal Federal naquele caso era o sentido da disposição constante do artigo 231 da Constituição, segundo o qual “são reconhecidos aos índios os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”.
Esclarecendo o alcance dessa disposição, diz o parágrafo 1º do mesmo artigo: “São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”.
Apesar da clareza desse dispositivo, ricos invasores de terras indígenas pretendiam que só fosse assegurado aos índios o direito sobre os locais de residência, as malocas, propondo que a demarcação da área ianomâmi só se limitasse a esses espaços, formando uma espécie de ilhas ianomâmi. O esclarecimento desse ponto era o objeto da ação, e o Supremo Tribunal Federal deu ganho de causa aos índios, considerando legalmente válida a demarcação de toda a área tradicionalmente ocupada pela comunidade.
Numa tentativa de reduzir o alcance da ocupação, o ministro Menezes Direito declarou que reconhecia o direito dos índios, mas que eles deveriam ser interpretados com restrições, externando tais limitações em dezenove itens, que denominou condicionantes. Estas não integraram a decisão, que foi exclusivamente sobre o ponto questionado, a demarcação integral ou em ilhas. E agora a portaria assinada pelo advogado-geral da União tenta ressuscitar as condicionantes, além de acrescentar outras pretensas restrições aos direitos indígenas. Assim, por exemplo, a portaria diz que “é vedada a ampliação da terra indígena já demarcada”.
Ora, bem recentemente o Supremo Tribunal, julgando o questionamento da doação de terras dos índios pataxós a particulares, feita pelo governo do estado da Bahia, concluiu pela nulidade de tais doações, o que terá como consequência a ampliação da área até agora demarcada como sendo o limite do território pataxó. E nenhuma portaria pode proibir isso.
Outro absurdo da portaria aqui questionada é a atribuição de competência ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, autarquia vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, para regular o usufruto dos índios dentro de suas terras, direito expressamente assegurado pela Constituição e que não pode ser regulado por uma portaria do advogado-geral da União. 
Pelo que já foi exposto, é evidente absurdo pretender atribuir novas competências a uma autarquia federal por meio de uma portaria da Advocacia Geral da União. Coroando as impropriedades jurídicas, a portaria em questão diz que é assegurada a participação dos entes federados no procedimento administrativo de demarcação das áreas indígenas, afrontando a disposição expressa e clara do artigo 67 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, segundo o qual “A União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição”. Como é bem evidente, a competência para a demarcação é da União, somente dela, sendo inconstitucional a atribuição de competência aos estados federados como pretendeu a portaria. Por tudo o que foi aqui exposto, a Portaria nº 303/2012 da Advocacia Geral da União não tem validade jurídica, e qualquer tentativa de lhe dar aplicação poderá e deverá ser bloqueada por via da ação judicial própria, a fim de que prevaleça a supremacia jurídica da Constituição, respeitados os direitos que ela assegurou aos índios brasileiros.
 Dalmo de Abreu Dallari é jurista.

Observatório do Trabalho István Mészáros (OTIM)



Estamos iniciando as primeiras ações do Observatório do Trabalho István Mészáros (OTIM)
http://www.otim-ceget.org
O OTIM vem para somar forças e possibilitar ações mais diretas e específicas no âmbito da discussão mais ampla em respeito à degradação, as descumprimentos e ações emancipatória do trabalho.
Essa página está abrigada junto ao CEGeT-Laboratório (http://www.fct.unesp.br/ceget), inclusive porque faz parte do Grupo de
Pesquisa "Centro de Estudos de Geografia do Trabalho" (CEGeT), e se soma também ao Centro de Memória sindical "Florestan Fernandes" (CEMOSi).
Gostaríamos de contar com artigos/comentários sobre questões que versem sobre a temática do trabalho, no Brasil e no mundo.
Os textos devem se enquadrar em no máximo duas laudas, e podem ser acompanhados de fotografias, /links /(ilustrações, clips), e que priorizem descumprimentos, decisões dos tribunais e varas do trabalho em respeito a assuntos de relevância; ações, alianças e desafios para os sindicatos.denúncias, comentários em respeito a artigos publicados na grande imprensa etc.
Nós vamos lançar linhas específicas de diálogo com base em temas orientadores. Enviem seus textos e comentários para o Paulo:
paulopraxedesgeo@bol.com.br


MUITO OBRIGADO.
ABRAÇO.

Goiás proíbe despir visitantes de presídios em revistas pessoais

 Goiás proíbe despir visitantes de presídios em revistas pessoais

26/07/2012 - 07h00


As pessoas que visitam unidades prisionais de Goiás estão livres da obrigatoriedade de se despir completamente, saltitar e fazer agachamento durante as revistas pessoais. As mudanças foram determinadas pela Agência Goiana do Sistema de Execução Penal (Agsep), em atendimento a recomendações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Ministério Público de Goiás, que consideraram vexatórios os métodos anteriormente adotados.

As novas diretrizes estão na Portaria nº 435 da Agsep, publicada no Diário Oficial do Estado de Goiás em 19 de julho. Ela regulamenta os procedimentos de revista e de entrada de visitantes nos estabelecimentos carcerários, com ênfase no respeito aos direitos humanos.
O Artigo 11 da Portaria, por exemplo, proíbe qualquer ato que obrigue o visitante a se despir, ficar agachado, dar saltos, submeter-se a exames clínicos invasivos – a exemplo do toque íntimo – ou “qualquer atitude ofensiva à sua dignidade humana ou à sua honra”.
O juiz auxiliar da Presidência do CNJ Luciano Losekann, coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e de Medidas Socioeducativas (DMF/CNJ), elogiou as mudanças promovidas pela Agsep, mas observou que os procedimentos continuarão a ser fiscalizados.
"É extremamente positivo que a Agência Goiana de Execução Penal tenha alterado o procedimento de revista de familiares de apenados. A situação anterior, na qual os familiares eram obrigados, inclusive, a se despir, era insustentável, vexatória e atentatória aos mais comezinhos direitos dos familiares. A partir de agora, espera-se que os ditames da nova portaria possam se converter em realidade nos estabelecimentos goianos. O CNJ continuará fiscalizando para que situações dessa natureza não se repitam", disse o magistrado.
Os métodos de revista pessoal que antes constrangiam os visitantes foram denunciados ao DMF/CNJ pelo promotor de Justiça de Goiás, Haroldo Caetano, que também entregou um vídeo com flagrantes da situação. Diante da denúncia, o juiz Luciano Losekann, em despacho de março deste ano, cobrou explicações da Agsep e encaminhou o vídeo ao procurador- geral de Justiça do Estado de Goiás, “para adoção de medidas que entender pertinentes, pois as imagens revelam inaceitável violação ao princípio da dignidade da pessoa humana”.
A partir de então, o Ministério Público de Goiás passou a recomendar providências à Agsep, incluindo a elaboração de nova norma regulamentando os procedimentos de revista, o que veio a ser cumprido com a edição da Portaria nº 435, de 19 de julho.
A portaria em questão manteve a utilização, nas revistas, de aparelhos detectores de metais, como o Raio-X. Além disso, definiu que trajes os visitantes deverão usar para não ser submetidos a procedimentos de revista mais rigorosos. Os homens deverão vestir, preferencialmente, “calça e/ou bermuda abaixo do joelho, camiseta sem gola polo e tênis de solado fino semelhante ao usado em futebol de salão, ficando vedado uso de camiseta com botões”.
Já as mulheres, devem trajar, preferencialmente, “vestidos de malha ou tecido semelhante, sem decote e abaixo do joelho ou calça de malha e blusa de malha ou tecido semelhante, sem decote e de chinela rasteira ou sandália baixa”.
Jorge Vasconcellos
Agência CNJ de Notícias

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