Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos

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14/11/2011

O mais difícil é conviver com a cruzada do bem que não respeita singularidades! Recomendo a leitura

Excelentíssimo Senhor Membro do Ministério Público Federal no Distrito Federal.


 

 

 

Apoiam a presente Representação as entidades:

- INESC: Instituto de Estudos Sócio-Econômicos

- JUSTIÇA GLOBAL

- ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS CENTROS DE DEFESA DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - ANCED

- OBSERVATÓRIO DE FAVELAS

- ABGLT: Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais.

 

 

 

 

O CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA - CFP,
pessoa jurídica de direito público, que por delegação do Poder Público exerce o serviço de fiscalização da Profissão de Psicólogo, inscrito no CNPJ sob o nº 00.393.272/0001-07, com sede à SAF SUL, Q. 02, Bl. B Edifício Via Office, Térreo, sala 104, Brasília, Distrito Federal, instituído pela Lei nº 5.766, de 20 de dezembro de 1971, representado por seu Conselheiro-Presidente, Dr. HUMBERTO COTA VERONA, vem, respeitosamente, à presença de V. Exa., para, com fulcro no art. 129, da Constituição Federal, relatar e requerer o que se segue.

O Conselho Federal de Psicologia, pessoa jurídica de direito público, foi criado pela Lei nº 5.766/71, com o objetivo de orientar, disciplinar e fiscalizar a profissão de psicólogo.

Nessa linha, o Conselho Federal de Psicologia tem procurado, sempre na perspectiva das modernas terapias recomendadas pela Organização Mundial da Saúde – OMS, a observância dos direitos humanos e mais recentemente, às determinações e objetivos que viabilizaram a edição da Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental no País, a afirmação dos objetivos expressos pelo Ministério da Saúde, consistente em buscar a efetivação da reforma psiquiátrica através da agilidade no processo de superação dos hospitais psiquiátricos e a concomitante criação da rede substitutiva que garanta o cuidado, a inclusão social e a emancipação das pessoas portadoras de sofrimento psíquico.

Por intermédio da crítica científica fulcrada no conhecimento técnico e na experiência profissional, o Conselho Federal de Psicologia, alinhado aos novos paradigmas oficiais no trato da saúde mental, noticia a existência de técnicas e tratamentos alternativos, mais condizentes com os direitos humanos e as garantias fundamentais, enfatizando o respeito e a observância das especificidades e das peculiaridades que informam o universo no doente mental.

  Cite-se, à guisa de exemplo, o contido no artigo 2º da Lei 10.216/01, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental, verbo ad verbum:
"Art. 2º Nos atendimentos em saúde mental, de qualquer natureza, a pessoa e seus familiares ou responsáveis serão formalmente cientificados dos direitos enumerados no parágrafo único deste artigo.
"Parágrafo único. São direitos da pessoa portadora de transtorno mental:
I – ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades; 
II – ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade;
III – ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração;
IV – Ter garantia de sigilo nas informações prestadas;
V – Ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de sua hospitalização involuntária;
VI – Ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis;
VII – receber o maior número de informações  a respeito de sua doença e de seu tratamento;
VIII – ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis;
IX – ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental
(...)
Art. 4o A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes.
§ 1o O tratamento visará, como finalidade permanente, a reinserção social do paciente em seu meio.
§ 2o O tratamento em regime de internação será estruturado de forma a oferecer assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros.
§ 3o É vedada a internação de pacientes portadores de transtornos mentais em instituições com características asilares, ou seja, aquelas desprovidas dos recursos mencionados no § 2o e que não assegurem aos pacientes os direitos enumerados no parágrafo único do art. 2o"

Nesse mesmo sentido, destaca-se a Lei n. 8.080/1990, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes verbis:
"Art. 5º São objetivos do Sistema Único de Saúde SUS:
I - a identificação e divulgação dos fatores condicionantes e determinantes da saúde;
II - a formulação de política de saúde destinada a promover, nos campos econômico e social, a observância do disposto no § 1º do art. 2º desta lei;
III - a assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das atividades preventivas.
(...)
Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no
art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios:
I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência;
II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema;
III - preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral;
IV - igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie;
V - direito à informação, às pessoas assistidas, sobre sua saúde;
VI - divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e a sua utilização pelo usuário (...)"

À nitidez, o enfrentamento de doenças mentais ou da temática de álcool e drogas não comporta mais a segregação absoluta, sendo que a internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes (art. 4º da Lei n. 10.216/01). Ocorre que os preceitos da Lei sob exame vêm sendo ameaçados pela adoção de políticas públicas equivocadas. Senão vejamos.

Recentemente, o Governador do Estado de Minas Gerais editou o Decreto n. 45.739/2011, instituindo um auxílio financeiro, em caráter temporário, ao núcleo familiar que assuma as despesas de tratamento de usuário de álcool ou outras drogas, com vistas ao custeio das despesas da internação voluntária do usuário em entidade credenciada pela Subsecretaria de Políticas sobre Drogas da Secretaria de Estado de Defesa Social – SEDS, no valor de R$ 30,00 (trinta reais) por dia, no total de R$ 900,00 (novecentos reais) mensais, in verbis:
"DECRETO Nº 45.739, DE 22 DE SETEMBRO DE 2011.
Regulamenta a ação governamental "Cartão Aliança pela Vida" e estabelece os critérios para a concessão de benefício no âmbito do Programa Social Rede Complementar de Suporte Social e Atenção ao usuário de álcool ou outras drogas, de que trata o inciso VI do Anexo da Lei nº 18.692, de 30 de dezembro de 2009, e dá outras providências.
 DECRETA:
Art. 1º Este Decreto regulamenta a ação governamental "Cartão Aliança pela Vida", prevista no âmbito do Programa Social Rede Complementar de Suporte Social e Atenção ao usuário de álcool ou outras drogas, de que trata o inciso VI do Anexo da Lei nº 18.692, de 30 de dezembro de 2009.
Art. 2º A ação governamental "Cartão Aliança pela Vida" objetiva unificar os critérios de concessão de auxílio financeiro, em caráter temporário, ao núcleo familiar que assuma as despesas de tratamento de usuário de álcool ou outras drogas, com vistas ao custeio das despesas da internação voluntária do usuário em entidade especializada e credenciada pela Subsecretaria de Políticas sobre Drogas da Secretaria de Estado de Defesa Social – SEDS, bem como à complementação subsidiária para despesas conexas, observadas as disposições deste Decreto.
Parágrafo único. Para os fins deste Decreto, considera-se família a unidade nuclear eventualmente ampliada por outros indivíduos que com ela possuam laços de parentesco, que forme um grupo doméstico, vivendo na mesma residência e que se mantenha pela contribuição de seus membros.
Art. 3º Podem ser beneficiários do "Cartão Aliança pela Vida" os núcleos familiares de usuários de álcool ou outras drogas com renda familiar mensal não superior a dois salários mínimos.
§ 1º Considera-se renda familiar mensal a soma dos rendimentos brutos auferidos pela totalidade dos membros do núcleo familiar, incluindo-se os rendimentos auferidos em decorrência de participação em programas oficiais de transferência de renda.
§ 2º Os benefícios de que trata este Decreto deferem-se na seguinte ordem:
I – ao cônjuge ou companheiro na forma da legislação civil;
II – ao tutor ou curador;
III – à mãe e, na sua falta, ao pai;
IV – ao descendente capaz, preferindo o mais velho;
V – aos ascendentes, preferindo o de grau mais próximo;
VI – ao irmão capaz, preferido o mais velho; ou
VII – a outras pessoas componentes do núcleo familiar, a juízo fundamentado do Subsecretário de
Políticas sobre Drogas da SEDS, observado o disposto no parágrafo único do art. 2º.
§ 3º Em casos excepcionais, mediante recomendação expressa e fundamentada da unidade municipal
de atendimento do local de residência do usuário, o benefício poderá ser deferido a família cuja renda mensal ultrapasse o limite previsto no caput .
Art. 4º O valor do benefício do "Cartão Aliança pela Vida" fica limitado a R$30,00 (trinta reais)
por dia de internação do usuário de álcool ou outras drogas.
§ 1º A família beneficiária poderá dispor diretamente de até 10% (dez por cento) dos valores que lhe forem creditados para fazer face, em caráter complementar, às despesas de atenção e visitação ao usuário interno.
§ 2º Ressalvado o previsto no § 1º, os valores creditados vinculam-se ao pagamento das despesas de internação e tratamento dos usuários de álcool ou de outras drogas, que serão solvidas diretamente pelas famílias, por meio de transação eletrônica.
Art. 5º As famílias beneficiárias receberão os valores enquanto perdurar o tratamento por internação do usuário de álcool ou outras drogas, observados os limites definidos neste Decreto (...)".

É sabido, também, que o Governo Federal enviou ao Congresso Nacional o projeto do Plano Plurianual para os anos de 2012-2015 (doc. anexo), estabelecendo como metas a capacitação das "lideranças religiosas e de movimentos afins para atuação na prevenção do uso indevido de drogas e outros comportamentos de risco, bem como na abordagem de situações que requeiram encaminhamento à rede de serviços existentes na comunidade", o que vai de encontro ao caráter laico do Estado brasileiro, previsto na Constituição Federal, além de afrontar a Lei n. 10.216/01.

Nesse contexto, o cerne da Representação envolve a existência de uma política pública que acaba por incentivar a internação compulsória em instituições, apesar de usar o termo "voluntária", em detrimento de ações mais eficazes. Isso porque incentiva a família do usuário de álcool ou droga a se socorrer da solução aparentemente mais fácil, mas que não resolve o problema da dependência química.

A questão que se destaca é que ao ser internado, o indivíduo perde qualquer chance de inclusão social, ficando à margem da sociedade, sem qualquer autonomia.

Vale dizer, na prática, que é o Estado que intervém com uma política pública, descuidadamente gerida, que na prática "cassa" os direitos políticos e civis de cidadãos miseráveis, cujas famílias se submetem a esta regra que represente a interdição para a vida civil.

Os casos se proliferam em outros estados da federação, consubstanciando um excesso das autoridades estaduais. A toda evidência, representa o uso do Estado e de suas instituições para "cassar" direitos constitucionais dos seus cidadãos, inclusive o de ir e vir. A aniquilação da cidadania e dos direitos humanos, por intermédio de programas como tais, não podem ser perpetuados.

Com efeito, temos acompanhado recentemente a prática do envio de crianças e adolescentes de forma compulsória, portanto, involuntária, para instituições de internamento sob a justificativa de ser encaminhadas a um suposto tratamento da dependência de crack. Contudo, não se coloca em pauta algumas questões que são anteriores a esta intervenção, tais como: como essas crianças e adolescentes chegaram à condição de morar nas ruas e de dependência de drogas? O direito, previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de receber proteção integral com prioridade absoluta foi garantido de fato a estas crianças e adolescentes?

Ora, se o tivesse sido, provavelmente, elas não estariam nesta condição de desfiliação social, pois, tal condição não foi produzida do dia para a noite e sim como resultante de longos anos de submissão a processos variados de exclusão social e de violação de direitos.

Sabe-se que cotidianamente crianças e adolescentes, no Brasil, são vítimas de violência, não têm seus direitos fundamentais concretizados em políticas públicas efetivas e parece que não estão sendo prioridade absoluta na agenda dos municípios, estados e governo federal tal como preconiza a Constituição Federal.

Acionar políticas emergenciais como esta de internar involuntariamente implica em atualizar modelos de intervenção amplamente criticados por profissionais da área da saúde, por pesquisadores na área de ciências humanas e sociais e pelos movimentos sociais. Desde a década de 40, no século XX, há denúncias da ineficácia da segregação em asilos e em equipamentos sociais de fechamento que acabavam funcionando como espaços de reclusão da miséria e da produção de estigmas e violência.

O correlato da internação era a tutela dos corpos aprisionados e não o cuidado integral e a garantia de cidadania. A solução que se pretende alcançar deve privilegiar os princípios de um cuidado em meio aberto, humanizado, com equipes multiprofissionais qualificadas, que tenham condições de trabalho dignas garantidas, no âmbito das políticas de saúde mental e coletiva e da assistência social, que operem por meio dos equipamentos do Sistema Único de Saúde (SUS), do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS e CAPS-AD), os Centros de Referência em Assistência Social (CRAS) e os Centros de Referência Especializada em Assistência Social (CREAS), os projetos de redução de danos, a escola, o Programa Estratégia Saúde da Família, enfim, uma rede integrada e com investimento econômico adequado irá propiciar a materialidade das políticas de garantia de convivência familiar e comunitária às usuários e dependentes químicos.

Estas práticas deverão funcionar nos territórios de cidadania, atendendo com a devida atenção prevista nas leis de modo concreto não somente a questão de usuários de crack, mas em todas as frentes de atenção básica e especializada, sempre a partir dos princípios da Reforma Psiquiátrica.

Ainda, tendo em vista as notícias veiculadas pela imprensa relativas à possível decisão do governo federal de incluir as chamadas comunidades terapêuticas na rede de serviços do Sistema Único de Saúde (SUS), o Conselho Federal de Psicologia lembra a IV Conferência Nacional de Saúde Mental e a Conferência de Assistência Social que decidiram o contrário dessa proposta. E o fez reafirmando que o investimento público deve ser destinado à criação e ampliação da rede de serviços substitutivos e não a lugares e instituições com princípios e formas de atuação contrários à ética que sustenta a prática nos serviços substitutivos: a defesa dos direitos humanos, a liberdade e a inclusão dos usuários no território.

Ao contrário do que restou legislado pelo Estado de Minas Gerais, e que se receia contamine as demais unidades da federação, deve-se adotar o Sistema Único de Saúde (SUS) – um dos maiores patrimônios nacionais, construído coletivamente para cuidar da saúde da população brasileira, e garantir e ampliar financiamento para consolidar suas ações, inclusive para a política de combate ao crack, álcool e outras drogas, assegurando seu caráter eminentemente público, em oposição a todas as formas de privatização da saúde.

Aliás, sobre a matéria, necessário se faz destacar que o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente - CONANDA, órgão deliberativo do sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente no Brasil, criado pela Lei 8.069, Estatuto da Criança e do Adolescente, na forma do art. 227 da Constituição Federal, e composto, paritariamente, por membros do governo e da sociedade civil organizada, cuja missão é a garantia e a defesa dos direitos humanos de crianças e adolescentes, em razão da publicação e implementação da resolução nº 20/2011 da Secretaria Municipal de Assistência Social do Rio de Janeiro, de 27/05/2011, intitulada Protocolo de Abordagem à Pessoa em Situação de Rua, no uso das atribuições que lhe conferem a Constituição e a Lei 8.069/90, emitiu Nota Técnica (doc. anexo), declarando ilegal a Resolução nº 20, de maio de 2011, da Secretaria Municipal de Assistência Social do Rio de Janeiro, além de práticas similares em outras cidades, que institui o Protocolo de Abordagem da Pessoa em Situação de Rua, por não ser este o órgão com atribuição para deliberar as políticas de proteção especial à criança e ao adolescente, bem como por inobservância das normativas nacionais e internacionais que versam sobre os direitos da criança e do adolescente, assim como a política nacional de atendimento à saúde mental, sugerindo seu imediato sobrestamento.

É bem por isso que se deve defender os princípios e diretrizes do SUS, principalmente o princípio da PARTICIPAÇÃO, que garante o direito do usuário de ser esclarecido sobre a sua saúde, de intervir em seu próprio tratamento e de ser considerado em suas necessidades, em função de sua subjetividade, crenças, valores, contexto e preferências.

No mesmo sentido, procura-se, conforme já destacado na presente peça, defender a continuidade e o avanço do processo de Reforma Psiquiátrica Antimanicomial em curso no Brasil – regulamentada na Lei nº 10.216/2001, que criou os serviços de atenção psicossocial de caráter substitutivo ao modelo asilar – para o cuidado de pessoas com sofrimento mental e problemas no uso de álcool e outras drogas.

Sobre o assunto, o Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011, que regulamenta a Lei n° 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde - SUS, o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa, em seu art. 5°, estabelece que a Região de Saúde deve conter, no mínimo, ações e serviços de atenção primária; urgência e emergência; atenção psicossocial; atenção ambulatorial especializada e hospitalar; e vigilância em saúde.

Não se deve perder de vista, também, que as cenas públicas de uso de drogas, as chamadas cracolândias, que tanto incomodam a população em geral, são também efeitos da negligência pública. A transformação desta situação impõe a criação de políticas públicas que incluam os usuários e a população local, através da implantação de projetos de moradia social, geração de renda, qualificação do espaço urbano, educação, lazer, esporte, cultura, etc.

O cuidado em liberdade, dentro do SUS, dos usuários de crack, álcool e outras drogas já é realidade em nosso país. São Bernardo do Campo (SP) e Recife (PE) são exemplos do êxito desta política, cujos investimentos exclusivamente voltados para a rede pública propiciaram a invenção de uma rede diversificada de serviços substitutivos, que asseguram cidadania. A sustentação radical desta política permite a ambos os municípios
prescindirem da inclusão de comunidades terapêuticas e de hospitais psiquiátricos como lócus de tratamento.

Quem usa drogas é vizinho, pai, mãe, filho, filha, irmão, irmã, amigo, amiga, parente de alguém, meu ou seu. Portanto, é preciso superar a ideia de que o usuário de drogas é perigoso, perdido, irrecuperável ou um monstro. Tais idéias provocam uma urgência de respostas mágicas, levam a sociedade a demandar medidas políticas sem a prévia reflexão necessária, justificando e legitimando a violência contra estes novos párias sociais.

A humanidade sempre usou drogas em cerimônias, festas, ritos, passagens e em contextos limitados. Nossa sociedade precisa se indagar sobre o significado do consumo que o mundo contemporâneo experimenta, buscando entender o uso abusivo de drogas nos dias de hoje e buscar alternativas na perspectiva dos direitos difusos.

As sociedades convivem com muitas drogas, lícitas ou ilícitas, e as pessoas que as usam de forma prejudicial precisam de ajuda, apoio, respeito e de redes públicas de atenção que garantam sua cidadania e liberdade. Para tal, as ações de redução de danos, que responsabilizam o cidadão por suas escolhas e estabelecem laços de solidariedade, devem ser orientadoras do cuidado, sempre articuladas com as demais políticas públicas.

A leitura do fenômeno do uso abusivo de drogas, em particular, do consumo de crack, como uma epidemia, além de grave equívoco de interpretação dos dados epidemiológicos que não demonstram isto, provoca uma reação social que instaura o medo e autoriza a violência e a arbitrariedade, levando à justificação de medidas autoritárias, coercitivas e higienistas.

Comunidades terapêuticas não são dispositivos de saúde pública, seja pela função social a elas endereçada, quanto pelas condições de uma suposta assistência ofertada. Elas reintroduzem o isolamento das instituições totais, propondo a internação e permanência involuntárias, centram suas ações na temática religiosa, frequentemente desrespeitando tanto a liberdade de crença quanto o direito de ir e vir dos cidadãos. Portanto, rompem com a estrutura de rede que vem sendo construída pelo SUS, não havendo qualquer justificativa técnica para seu financiamento público.

Os princípios da saúde pública e as deliberações das Conferências Nacionais de Saúde e de Saúde Mental devem orientar a aplicação e os investimentos públicos na criação das redes e serviços de atenção a usuários de crack, álcool e outras drogas. Qualquer política que proponha agregar outros serviços com orientação distinta da adotada pela Reforma Psiquiátrica e pelo SUS, estará tentando conciliar o inconciliável e deste modo, camuflando diferenças em nome de outros motivos ou interesses e produzindo um claro desrespeito à política, à sociedade e aos direitos humanos.

A situação posta, por vezes, também encontra a conivência dos próprios familiares dos usuários, que compactuam com a renúncia da cidadania de um parente pelo recebimento do benefício social.

Para que não haja a exclusão do usuário de crack, álcool e outras drogas, há que se promover meios de adaptá-lo, cuidá-lo e recuperá-lo, caso contrário, ao invés de salvar o doente, acabaremos, todos, por sucumbir, em um trabalho de inútil benemerência, que não pode ser confundido com a estrita observância aos direitos humanos ou de respeito à cidadania.

De todo o exposto, patente é a necessidade da intervenção do Ministério Público, consoante o disposto no art. 129, da Constituição Federal, a fim de assegurar o efetivo cumprimento dos direitos constitucionais e legais aplicáveis à matéria sob exame. Com efeito, quando a Lei diz que o Ministério Público, por meio das Promotorias de Justiça da Cidadania, está encarregado da defesa dos direitos constitucionais do cidadão, está se valendo desse sentido mais abrangente. Assim, alcança-se o direito de todas as pessoas, sem distinção, de, entre outros pontos: a) exigirem que os Poderes Públicos e os serviços de relevância pública respeitem os direitos assegurados na Constituição; b) verem combatidas as violações aos chamados direitos humanos, como aqueles proclamados na Declaração Universal dos Direitos do Homem (ONU, 1948); c) verem garantidos os direitos individuais, sociais e coletivos, previstos no art. 5º da Constituição; d) respeitem os dispositivos da Lei n. 10.216/2001, Lei 8080/90 e do Decreto Federal 7.508/2011; e) verem preservados e funcionando os princípios democráticos do estado de Direito.

É função do Ministério Público, pois, exercer a defesa dos direitos sociais individuais indisponíveis assegurados na Constituição Federal. As pessoas que vivem à margem da sociedade são as que têm suas garantias constitucionais mais desrespeitadas.

Requer-se, portanto, a adoção de medidas legais, inclusive com o ajuizamento das ações competentes, que visem à suspensão imediata dessas práticas pelos governos federal e estaduais, de modo a privilegiar a utilização de medidas sócio-educativas aos usuários de crack, álcool ou outras drogas, como também aos portadores de doenças mentais.

Pelo exposto, requer-se uma completa investigação sobre essas situações, de modo a que sejam promovidas as medidas legais, notadamente em face do Decreto n. 45.739/2011 do Estado de Minas Gerais.

N. Termos,

P. E. Deferimento.

Brasília-DF, 11 de novembro de 2.011.

 

 

 

 

HUMBERTO COTA VERONA

Presidente do Conselho Federal de Psicologia

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