Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos

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27/11/2011

Artigo Cyro Marcos da Silva - Direito e Psicanálise

PASSO A DECIDIR

Este texto remonta seu nascedouro a um trabalho já com um certo percurso numa instituição analítica, o Núcleo de Leitura em Psicanálise e ainda numa instituição legitimada pelo discurso universitário, o  Núcleo de Pesquisa em Direito e Psicanálise de Curitiba. Engaja-se, assim,  tanto num lugar como no outro, no meu comprometimento como aquele que exerceu função de advogado, promotor de justiça e  juiz  e que agora é um praticante da psicanálise. Situa-se  portanto, neste  desejo em explorar esta articulação entre direito e psicanálise, em  trabalhar nestas brechas.
Consideradas assim as vinculações deste trabalho, vamos então começar a fazer algumas aberturas por aí.  Desde Roma, fonte jurídica sempre presente, direito- jus -  é abordado e orientado com três princípios: não lesar o outro, viver honestamente e dar a cada um o que é seu. Todos estes princípios se articulam, pois não sendo o outro lesado, vive-se assim honestamente, tentando dar a cada um o que é seu.
Porém... atribuir a cada um o que é seu...o  que vem a ser este  “seu” de cada um?  Quando Lacan falou algo do direito, assim se expressou: “o direito  reparte, organiza, distribui o gozo.”Orientados por esta indicação, poderemos ter uma idéia do que seria este   “seu de cada um”. Parece ser a quota e campo de usufruição possível, a quota de gozo civilizado que o direito permite a cada um, mesmo que saibamos que algo sempre escapa ao cerco desta quota.
Se então, o direito reparte, organiza e distribui gozo, como faz para positivar regras neste sentido? Como direciona o exercício desta função?
Aí Kant fez uma entrada.  Para que toda esta regulação aconteça, Kant pretende colocar em exercício, uma regra da forma mais pura possível. Uma razão pura.  Pureza que não ficaria só no campo da razão, iria além, iria  para a prática. Portanto com elevado e pretendido total  grau de pureza, para uma  boa obediência à regra,  ficaria rechaçado e jamais seria aceito  qualquer coisa que afete o agente da lei, conforme pretende Kant. Salvo a dor decorrente da própria obediência.  E se uma determinada  norma é valida para um, ela deve se alçar como válida  para todos, como  norma geral.
O que Lacan nos mostra e nos surpreende  nesta colocação kantiana é que ela não é nada  diferente daquilo que  está na  exortação de qualquer daqueles heróis sadeanos,  que Sade coloca como protagonistas da Filosofia da Alcova. Estes heróis, apregoando também o uso e abuso, da forma mais pura possível, isenta da possibilidade de serem afetados por qualquer pathos, tentam exaustivamente não se  deixarem afetar por aquelas incursões em  múltiplas  formas de gozar. Repudiam, assim como Kant o fez na sua filosofia, esta não da alcova,  qualquer fator que, afetando o agente, impeça sua finalidade de um pretendido puro gozo de uma faculdade. Com isto chegam a comprometer até mesmo a existência ou a  preservação  da coisa em gozo.
E cabe aqui a pergunta: é possível exercer algum trabalho sem por ele ser fortemente afetado?
Mas o que isto tem a ver com o direito que hoje se pratica, com o juiz que hoje pratica o direito? Nos dias de hoje, o Direito parece um pouco esquecido daquilo que nunca tolerou, ou seja, que a regulação que legitimamente faz do uso e gozo de uma coisa, esteja sempre condicionada a que fique preservada a rerum substantia. A partir deste princípio, não pode, portanto, nem extinguir, nem transformar, nem modificar substancialmente a coisa, ainda que fosse para aumentar seu valor. Qualquer desvio neste alvo, mesmo positivado em norma, já estaria a degradar o princípio  jurídico.
Isto já nos provoca uma questão e que, nesta visada, coloca-se como  questão ética, não como questão moral, mesmo porque não é uma questão muito bem comportada.
Quando um Tribunal, hoje, regulando qualquer aspecto de algumas relações jurídicas, supervaloriza o que se usufrui nestas relações, não estaria degradando o princípio,  na medida em que, então, superestima a coisa em gozo,  incitando assim uma escalada de  voracidade de gozo?
Mais claro: quando se pede, por exemplo,  a um Tribunal de instância suprema, que regule, como tem acontecido,  uma questão sucessória entre homossexuais, e este Tribunal, dando um ou mais de um imprudente passo a mais, indo mais além,  acene para a possibilidade de que ali se pode ter mais do que se pede, não está supervalorizando a coisa?
O grande cineasta italiano Pasolini coloca uma lupa nisto. Quando ele tratou da encenação da Filosofia na Alcova, levada a cabo pelo filme Salò, ou 120 dias de Sodoma, ele evidenciou que o direito enquanto norma positivada, quando passa a empostar   a voz com razões puras ou práticas,  como a história nos mostra já ter ocorrido,  pode se prestar até mesmo ao que há de mais degradante. Como vimos, pode chegar até a servir, muito mais do que se pede. Pode mandar vir de bandeja, aquilo  que o detentor do poder determinará  seja servido. No filme referido,  o poder, levado à máxima potência, impõe, literalmente,  seja servido merda.
Isto custou à Pasolini a própria vida, pois até hoje perduram mistérios sob a forma em que foi assassinado logo após a exibição deste filme.
Nisto que aponto de uma degradação, fica mais visível uma suspeita intimidade entre a norma e uma impostura.  E o que é mais notável: neste filme tudo se faz com  pompas e circunstâncias que não faltam. A língua italiana ali é a clássica e  o dialeto toscano consagrado por  Dante Alighieri, é falado e silabado com esmero. A música também é erudita,  executada o tempo todo por uma pianista. Finalmente, lá pelas tantas, esta não mais suportando o tranco, se joga pela janela.
É lamentável ter que reconhecer que nos dias atuais, alguns pontos de degradação do direito se revestem dos mesmos vernizes. Alguns de  nossos juízes, desavisados, acreditam-se  libertos. Libertos, como aponta a linguagem do Direito Romano, são os ingênuos. Não deixam de ser ingênuos mesmo, pois ninguém jamais estará liberto da castração que nos concerne, ou seja jamais teremos  o domínio do sexo ou da morte, por mais que se venha tentando, tanto em um campo quanto no outro. E mais: nunca estaremos libertos de nos defrontarmos com a partilha e com a diferença dos sexos. A gravidade mais se demonstra, quando algo desta ignorância – falo da ignorância da castração, - se legitima de forma espúria em decisões judiciais  para  fazer boa imagem de politicamente correto, boa imagem satisfatória de apetites da mídia. Aí, cabe perguntar: por que, apenas em nome disto estão abdicando da função do direito, de regular o gozo, para fazerem exatamente o oposto, ou seja, aumentar o apetite?
 E o fazem, imperceptivelmente, seja por frases de efeito, seja por preciosismos  ou por gestos que vão desviando o direito da sua importante função: fazer valer, pela isonomia, o que é paradoxal,  a diferença.
Estas imperceptíveis contribuições que degradam o direito,  têm sido as recentes pegadas que temos deparado, deixadas por passos  a decidir. Estes desvios  afetam perigosamente a função do direito de colocar ponto de basta, uma vez que  desnorteiam a aferição do  que seria o seu de cada um
Mas como encontrar esta medida? Esta questão é muito  difícil, já que a posição do operador do direito vai ter uma importância muito mais decisiva do que o próprio ordenamento jurídico, do que o próprio direito.
 Todos os juízes sabem que, na sua função, numa determinada fase, chega o momento de concluir. É quando  não dá mais para protelar, para esperar o Messias,  não dá mais para esperar a prova das provas, para ficar aguardando  a verdade, tão somente a verdade, nada mais que a verdade, mesmo porque, a verdade quando surge é sempre não toda, sempre nas entrelinhas, no piscar de olhos das formações do Inconsciente. Não há como jurar produzí-la, pois diga-se o que se disser, com as maiores inclinações de decantadas honestidades, com os ideais das melhores intenções,  nunca ela será totalmente dita, pois isto é de estrutura. E mais: estará sempre permeada pela fantasia de quem a proferir. A função de juiz impõe que num determinado momento, algo se  conclua, algo caia, algo faça um passo,  que não deixa de ser um salto, mas que também é uma passagem. O passo a decidir.
O passo a  decidir, passará por um caminho fazendo valer aquilo do qual o direito não pode abrir mão:  a chancela da  validade da palavra que, pela sentença, é tornada  ato decisório.
Isto está para além das normas positivadas, isto está para além da estética formal do direito, para além das suas finalidades, embora entrelaçado com isto tudo. Isto diz respeito às entranhas do direito,  à própria ética do direito e acha-se intimamente vinculada á posição ética do juiz, à posição que este juiz tem, diante do real que lhe pede regulação.
Neste momento em que se está para dar o salto, o passo a decidir, todo juiz se depara com algo que interroga o que vai decidir o  seu passo. Ao proferir uma sentença, um longo exercício é feito, exercício de posteriori, pois o juiz quando vai escrever sua sentença, já está sentenciado por ela. No seu relatório, vai narrar como se deu a sua escuta, como o seu envolvimento se teceu, como se enredou ou não na trama em que sua função lhe impõe intervir: se comeu corda na novela ou se ficou hipnotizado pela canto da sereia. O seu relatório, na aparência, fica revestido das  fundamentações racionais. Mas algo já se decidiu por outras razões, ligadas à toda uma história ou uma trama significante que rege este juiz. E lá no texto da sua sentença,  quando ele  anuncia “  passo a decidir “,  mais uma vez desfilarão  todas aquelas orientações oferecidas  pelas normas positivadas que dão plantão para o caso, embora já até saiba que decidiu o passo. O que se decide, decidido já estava.
Para decidir é preciso que,  no caminho,  algo caia, algo se perca, como por exemplo  até mesmo a alternativa de seguir outro caminho. Sem esta assunção de perda, juiz algum decide coisa alguma. É nesta solidão de uma perda que algo se  que algo opera, que o juiz se submete ao que se lhe impõe, que ele assina sua forçada escolha. Este passo a decidir, é a escolha de tomar um recorte, de tomar um fragmento do tamanho de um passo com dois ss, dentro de um campo largo,  tamanho de um paço com ç. O juiz deverá seguir o passo e deixar para trás o paço, caso contrário, como um Orfeu desavisado,  jamais conduzirá do inferno da lide, a Eurídice da sua solitária decisão.
Assumida a  decisão,  ele a fará valer, certa ou errada, recorrida ou não recorrida,  justa ou injusta, acertada ou equivocada, boa ou ruim. O que decidido está precisa operar de forma precisa, tal como a sentença do primeiro juiz que os escritos nomeiam.  Salomão decidiu de uma forma  despida  dos mencionados  atributos ideais nos quais o imaginário de uma performance de um juiz ideal se perde. Se Antígona é o horizonte  do desejo puro, onde se vislumbra a morte, Salomão é o norte da  decisão pura, que também tem a radicalidade da  morte.
Mas, como somos húmus, humanos, ou mais rigorosamente falando  falasseres, seria inútil  nos exigirmos seja  o desejo de Antígona, seja uma cortante  decisão de Salomão, embora seria importante não esquecê-los   como referências para  a solidão do nosso cotidiano e conturbado  desejo e de nossas difíceis e cortantes decisões.
Afinal, seria pensável uma decisão operante, que nos desemperre da covardia nossa de cada dia,  fora de um engajamento desejante?
Natal, 10 de  novembro de 2011

Cyro Marcos da Silva
cyromarcos@terra

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