Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos

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26/07/2011

MP - Onde senta? Decisão do RS - Para pensar!


COMARCA DE PORTO ALEGRE
1ª VARA CRIMINAL E JECRIME DO FORO REGIONAL RESTINGA
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Procedimento administrativo n°. 02/2011
Requerente: Defensoria Pública
1. RELATÓRIO.
A DEFENSORIA PÚBLICA do Estado do Rio Grande do Sul, por intermédio da Defensora Pública com atribuição para atuar perante esta Vara Criminal, Dra. Cleusa Maria Ribeiro Trevisan, requereu, administrativamente, o remanejo dos móveis da sala de audiências, a fim de que o assento destinado ao órgão do Ministério Público seja posicionado no mesmo plano do da defesa. Nesse sentido, argumentou que o disposto no art. 4°, § 7°, da Lei Complementar 80/94, garante aos me mbros da Defensoria Pública sentar no mesmo plano dos do Parquet. Enfatizou que o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil estabelece não haver hierarquia entre advogados, membros do MP e Magistrados. Afirmou que esse
reposicionamento não importa violação da garantia funcional dos órgãos do MP de sentar “à direita” do Juiz, também reproduzida em todos os Códigos de Organização Judiciária deste Estado, pois não significa “do lado”. Asseverou, ainda, que a mudança da disposição cênica também atende ao princípio constitucional da isonomia e é congruente com o sistema acusatório. Juntou documentos.

Sucinto relatório.

Passo a fundamentar.
2. FUNDAMENTAÇÃO.
A recente onda de reformas do já vetusto Código de Processo Penal, dentre tantas alterações – algumas esperadas e proveitosas, outras de feitio e resultado um tanto questionável –, com inspiração no novel Princípio Constitucional da razoável duração do processo (expressamente acrescentado à Carta Magna pela Emenda Constitucional n°. 45/2004 ) e buscando mais ampla incidência do Princípio da Oralidade (e todos os seus desdobramentos) no âmbito criminal, concentrou inúmeros atos processuais em uma única e ininterrupta (em tese) solenidade, denominada de “audiência de instrução e julgamento”.
Independentemente de ter sido boa ou ruim a modificação, de – na prática – ser possível ou não levar um (rectius: a maioria de um) procedimento a seus ulteriores termos em um só momento, uma coisa parece certa: houve relevante aumento da importância da audiência para o deslinde da causa penal.
Esse rearranjo, que nada mais é do que um ponto na contínua e vagarosa mudança do desenho, paradigma, processual-penal pátrio (que se acentuou há quase vinte e dois anos, com a promulgação da vigente Constituição), proporciona bem-vinda 'janela' a repensar práticas e costumes de tempos imemoriais que, até ora, perpetuam-se.
Há os que dizem que foi este o modelo adotado; outros ressaltam que não houve, de modo expresso, acolhimento desta sorte. Seja como for, o sistema processual penal acusatório – e não suas alternativas: o inquisitivo e o misto – é o que melhor se conforma com o arcabouço axiológiconormativo da Constituição Federal.
Assim, ao atribuir ao Parquet, privativamente, a ação penal pública (art. 129, inciso I), a Lei Fundamental, parece, quis estabelecer a imprescindibilidade de sua atuação para o processo e, consequentemente, evitar o embricamento das funções dos sujeitos processuais.
Com efeito, no processo penal, deve haver as figuras do 'acusador' e do 'julgador'; e elas devem ser bem delimitadas, separadas, de modo que um com o outro não se confunda.
Pois bem.
A atual situação cênica dos móveis da sala de audiência, por estar o assento destinado ao órgão do MP imediatamente do lado do julgador, vai de encontro a essa necessária diferenciação.
Com efeito, 'visualmente', isso transmite a um observador – que ignora os regramentos positivos e consuetudinários – a 'impressão' de, senão identidade, de proximidade das atribuições.
Tal 'ilação' é, certamente, facilitada pela circunstância de o servidor auxiliar-escrevente do Magistrado sentar em posição equivalente (imediatamente do lado esquerdo), e os Advogados e Defensores Públicos (assistentes da acusação ao lado direito; defensores, ao lado esquerdo) não, ficando, além de mais afastados, perpendicularmente ao Juiz.
Isso sem contar o fato de que, inexplicavelmente (melhor seria dizer indevidamente) que a poltrona destinada ao órgão do Parquet é, de praxe (inclusive, nesta Vara), muito mais “luxuosa” que a destinada aos Advogados e Defensores Públicos.
Nada justifica que assim seja.
Embora falar em 'paridade de armas' no âmbito do processo penal não seja de todo pacífico (afinal, beneficia-se o acusado de mais 'armas', como o Princípio do Favor Rei; a possibilidade de opor embargos infringentes e de nulidades em grau recursal e ajuizar revisão criminal etc.), há, aí, um tratamento não isonômico (desigualdade material) difícil de ser justificado.
Além disso, essa conjectura “geográfica” pode – não se deve descartar – até mesmo influenciar no deslinde dos processos. Não por alguma ascendência formal sobre a defesa: nesse ponto, a igualdade é inatacável. E sim, na colheita da prova.
Isso porque a confusão 'visual' entre Juiz e Promotor, efeito da disposição dos assentos, tende, sim, não se negue e nem fantasie, a interferir no ânimo das pessoas que prestam declarações, sobretudo no das mais simples e humildes, que, infelizmente, são a maioria absoluta das que se fazem presentes nesta Vara Criminal, cuja competência territorial abrange uma
das áreas mais pobres da Cidade.
Posto isso, há necessidade de readequação do mobiliário da sala de audiências, tal como requerido pela Defensoria Pública.
É verdade, tanto na Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (1), como na Lei Orgânica do Ministério Público do Rio Grande do Sul (2)
consta ser prerrogativa do membro do Parquet sentar-se “à direita” do julgador.
Ocorre, porém, que isso é matéria de organização judiciária; e, como tal (nos termos da Constituição da República, art. 125, §1°), de competência legislativa Estadual e de iniciativa do Tribunal de Justiça.
Taxativamente: as disposições citadas são inconstitucionais (na medida em que a
CF reservou ao Estado legislar sobre organização Judiciária, e, no ponto, no Estado do Rio
Grande do Sul há lei, o COJE, prevendo a forma de organização da sala de audiências).
Isso quer dizer, em última análise, que o que vale mesmo
sobre a matéria é o COJE – Código de Organização Judiciária –, que, na sua
redação atual (3) (tal qual nas versões anteriores, de 1950(4) e de 1966(5), não prevê
tratamento diferenciado aos membros do Ministério Público: só dispõe que
eles, o autor da ação e seu patrono – sic, genericamente – sentam “à direita” do Juiz.
Ainda que assim não fosse – ou seja, que constitucionais fossem as disposições das leis orgânicas antes mencionadas –, persistiria a indesejável inferência.
Ora, sentar “à direita” do Juiz não significa, em hipótese alguma, tomar assento “imediatamente ao lado direito”.
Interpretar deste jeito é ir muito além dos limites do texto legal, afirmando o que
a Lei não diz, nem sugere, nem autoriza.
Se fosse o caso, constaria “imediatamente à direita”, ou “imediatamente ao lado”, como, aliás, está consignado na exceção admitida na
Lei Orgânica do MP da União (Lei Complementar 75/93, art. 18, inciso I, alínea “a”) –
com efeito, a Lei não contém palavras inúteis. E, aliás, essa lei mesmo,
também parece ferir de morte a constitucionalidade, na medida em que viola a
disposição constitucional que ao Poder Judiciário Federal, no âmbito federal, e
ao Poder Judiciário dos Estados cabe a iniciativa de leis que tratem da
organização judiciária, como é o caso da organização das salas e sessões de
julgamento.
Por outro prisma, o da ponderação das funções do
Ministério Público, chega-se à idêntica ilação.
De fato, nos processos (cíveis) versando sobre interesses
de incapazes, causas sobre o estado das pessoas etc., em que o Parquet nada
pede, nem tem nada contra si pedido, intervindo como custos legis, é até
compreensível que se situe no mesmo plano ao lado do Juiz: estaria ali como
desinteressado na lide posta.
O mesmo, todavia, não ocorre na ação penal (pública).
Nela, é o órgão MP que decide pela sua proposição ou não (forma sua opinio
delicti); é quem tem o ônus de provar seus termos; isso sem falar nos casos em
que investiga pessoalmente determinada notitia criminis.
Seu papel, aí então, não é de parecerista, custos legis,
mas, sim, autêntica e primordialmente, de acusador público (6).
O que foge disso é acidental, secundário.
Por isso, não lhe é exigido – nem, acrescento, seria exigível –
imparcialidade, a não ser, nos termos legais, a ausência de 'impedimento' e de
'suspeição' do respectivo órgão.
Afinal, como é possível fazê-lo (demandá-la) daquele sujeito
que tem que previamente se convencer da existência de um crime e de que não está a acusar pessoa 'inocente'; daquele que tem contato direto com a Polícia (cujo controle externo exerce), de quem cobra a produção de provas contundentes e inequívocas; daquele que recebe, mais diretamente, influxos sociais clamando por segurança pública, muitas vezes com contato direto com as vítimas e com todas as aflições que lhes acometem; daquele que tem de laborar no sentido de provar os pedidos que fez, sob pena de, ao fim, tê-los julgado improcedentes.
Em suma: o fardo de acusar é pesado demais para a pessoa. Por mais bem intencionada, equilibrada e 'distante' que se consiga manter dos casos, terá, em maior ou menor medida, suas percepções obnubiladas por essa gama de fatores; será parcial. Isto caracteriza quem é parte.
Isso, friso, não é demérito; não acarreta perda de
prestígio ou credibilidade.
Pelo contrário, é importante – ou melhor: essencial – a presença de um acusador público comprometido com os casos ajuizados
ao pleno contraditório, à dialética processual. É isso que a sociedade espera.
Nesse panorama, não tem sentido o órgão do MP que atua no âmbito criminal – diga-se mais uma vez: como acusador público – ter assento imediatamente do lado do Juiz; não há porquê colocar-se como 'imparcial', quando, de fato, não é.
A corroborar esse entendimento, reporto-me a precedente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que bem se amolda ao tema:
“JURI. ASSENTO DO M.P. ALTERACÃO. PRINCÍPIO
DA ISONOMIA. PREVALÊNCIA DA MAIORIA. Mandado de
segurança. Assento do M.P. como parte autora. Denegação do
‘writ’. A alteração da disposição da sala de audiências em Tribunal
do Júri com remoção do assento do Ministério Público para posicionálo
no mesmo patamar do assento da Defesa, não importa em violação
da prerrogativa funcional traduzida pelo posicionamento à direita do
seu Presidente à vista da disposição do art. 41, XI da Lei Federal
8625/93 (L.O.M.P.) e, ‘ipso facto’, do art. 82, X da Lei Complementar
Estadual 106/03, mas, ao contrario, atende à norma constitucional
que assegura às partes, em processo judicial penal, tratamento
isonômico. A plenitude e a efetividade do ‘equilíbrio de armas’ no
contraditório justificam a necessidade de o Juiz envidar todos os
meios necessários para evitar que a disparidade de posições cênicas
possa influir no êxito de uma demanda penal, condicionando-o a uma
distribuição desigual de forcas, pois a quem acusa e a quem se
defende em Juízo, notadamente no Tribunal do Júri, devem ser
asseguradas às mesmas possibilidades de sucesso na obtenção da
tutela de suas razões. Inexistência de direito liquido e certo a ser
amparado pela via mandamental. Precedentes citados: STJ - HC
18166/SP, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, julgado em 19/02/2002. STF
- RMS 21884/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 17/05/1994”
(TJRJ, 7.ª Câmara Criminal, Rel. Des. EDUARDO MAYR, Mandado de
Segurança 35/2004).
Somando-se a tudo isso, há, ainda, um outro dado a ser
relevado: gozam os Defensores Públicos, nos termos da Lei Complementar
80/94, art. 4°, §7° (7), da garantia de sentar no mesmo plano do Ministério Público.
Pois bem.
Para ser efetivada, tal norma, necessariamente, impõe o
remanejo do lugar costumeiramente destinado ao Parquet, pois a alternativa (os
representantes de ambas as instituições ficarem no plano sentarem-se horizontalmente em
relação ao Julgador) é impossível.
Isso porque o Juiz deve, por razões de ordem
administrativo-prática, estar próximo do escrivão, seu auxiliar, que, de praxe,
senta logo à sua esquerda; e, de outro lado, à sua direita, o estenotipista, que
deve estar posicionado de modo a, além de escutar, poder ver os movimentos
labiais das pessoas que perguntam e expõem em audiência, a para melhor
desempenhar seu mister (registrar os acontecimentos).
Ademais disso, assim como não é razoável estabelecer
diferenciação entre o Ministério Público e os demais atores parciais (assistentes
da acusação e defensores), no que diz como os assentos na sala de audiências,
tampouco é fazê-lo entre Defensores Públicos e Advogados.
Assim, seja pela previsão da lei local (COJE), em vigor e
recepcionado, no ponto, pela CF; seja porque a LOMIN ou outro estatuto do
MP não preveja a prerrogativa de sentar “ao lado” do Juiz (como expressamente
inclusa no caso que quis ressalvar); seja porque, por necessidade e conveniência da
administração da Justiça (organização dos auxiliares diretos do Juiz), deve haver a
adequação pretendida.
3. DISPOSITIVO
Pelo exposto, ACOLHO o requerimento administrativo
formulado pela Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul e
DETERMINO a alteração do mobiliário da sala de audiências, de modo que seja removido o assento ora destinado ao órgão do Ministério Público, que deverá, quando comparecer às solenidades aprazadas pelo Juízo, tomar lugar nos remanescentes que se situam “à direita” (e não ao lado) do Julgador.
Intimem-se o órgão do Ministério Público e da Defensoria
Pública que atualmente têm atribuição para oficiar perante esta Vara Criminal –
autorizado extração livres de cópias.
Remetam-se cópias do pedido inicial e desta decisão: 1)
ao Presidente do Tribunal de Justiça; 2) ao Corregedor-Geral de Justiça; 3) ao
Presidente da Comissão de Direitos Humanos do TJ; 4) ao Presidente da
OAB/RS; 5) ao Diretor de Valorização Profissional da OAB/RS; 6) ao
Presidente da AJURIS – Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul; e 7) ao
Presidente da AMB – Associação dos Magistrados do Brasil, em Brasília.
E encaminhe-se cópia integral do expediente para o
Conselho Nacional de Justiça - CNJ.
Procedam-se às diligências necessárias à reorganização
dos móveis, inclusive com ciência ao Estenotipista.
Porto Alegre, 19 de julho de 2011.
MAURO CAUM GONÇALVES
Juiz de Direito Substituto
1ª Vara Criminal e JECrim
Foro Regional da Restinga

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