Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos

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Alexandre Morais da Rosa

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29/07/2011

Leonardo Schmitt de Bem - O perigo da moralidade como bem jurídico penal.


Segue abaixo artigo que subscrevo totalmente. O Leonardo foi muito feliz ao articular o tema.
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Alexandre

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O perigo da moralidade como bem jurídico penal. In Boletim IBCCRIM. São Paulo : IBCCRIM, ano 18, n. 224, p. 08, jul., 2011.

Wilfried Bottke, antes de comentar interessante decisão da Corte Constitucional Federal alemã sobre a constitucionalidade do incesto, questionou se a doutrina dever-se-ia corrigir a si mesma por meio de decisões do Tribunal Constitucional. O sentido da pergunta dizia respeito à não proclamação de que um tipo penal só é legítimo para a tutela de bens jurídicos e não para evitar imoralidades, pois no julgado também entendeu-se pela possível proteção penal da moral.(1)

Importo seu questionamento, pois o Supremo Tribunal Federal decidiu que no delito de casa de prostituição (art. 229, CP) não se tutela bem diverso à moral e aos bons costumes. Textualmente: “(...) no crime de manter casa de prostituição (...), os bens jurídicos protegidos em benefício de toda a coletividade são a moralidade sexual e os bons costumes, valores de elevada importância que, portanto, devem ser resguardados pelo Direito Penal, não havendo que se falar em aplicação do princípio da fragmentariedade (...)”.(2)

Seguindo Bottke, será possível legitimar uma incriminação com base unicamente na moral e nos bons costumes? Para responder à pergunta, deve-se considerar que a função da ciência jurídica penal não é somente de controlar criticamente a legislação, mas também de orientar o legislador e, com efeito, o julgador. Os teóricos do Direito Penal não podem somente censurar, mas devem sugerir – não obstante atentos aos riscos de críticas da própria doutrina e do desprezo do legislador – uma fundamentação dos limites do domínio político em matéria de criminalização.

Para Figueiredo Dias, não obstante pudesse citar outros penalistas, “não é tarefa do Direito Penal, nem primária, nem secundária, proteger a moral”.(3) Isso, pois, “impede-se que o Direito Penal se atribua tarefas irreais como um agente de transformação social”.(4) Muito curioso é que o Ministro Ricardo Lewandowski destacou que “considerações de cunho moral não cabem, evidentemente, numa discussão jurídica como esta”, mas, mesmo assim, julgou de acordo com a relatora do processo, Ministra Cármen Lúcia.

E realmente não cabem, pois se o preceito tutela somente a moral e os bons costumes, para esse objetivo haveria outros e melhores meios do que o Direito Penal. Ademais, considerar que toda a sociedade é beneficiada com a incriminação é sugerir uma sociedade completamente intolerante (o que poderia legitimar a proibição penal da troca de casais, por exemplo), ou seja, é não avaliar que resulta muito duvidoso que seja plausível o recurso a um consenso social sobre a moral e os bons costumes em uma sociedade pluralista e complexa como a atual.

A Ministra relatora fez alusão à reforma legislativa operada pela Lei n. 12.015/09. Pois bem. Com uma atenta leitura, depreende-se a substituição da própria designação do respectivo título atinente aos crimes sexuais. Não se fala mais em crimes contra os costumes, aqui entendido como o fundamento ético-social ligado aos sentimentos gerais da moralidade sexual, mas em delitos contra a dignidade sexual. Como o fim legislativo é possibilitar que homens e mulheres disponham do próprio corpo da maneira que bem entenderem, enaltecendo-se, portanto, a dignidade sexual, e sem olvidar, por evidente, as condições de realização da conduta, entendo que os julgadores não devem alterar a avaliação legislativa (ou continuar enaltecendo a vontade anterior) sob o pretexto de assegurar as expectativas sociais de “toda” a coletividade, pois, assim, deixam de proteger os verdadeiros bens jurídicos e passam a tutelar apenas a vigência da norma.

Embora estivesse o delito ao qual se reporta a Ministra sob a tipificação prevista no título crimes contra os costumes – enfatize-se, antes da reforma – tem-se que tal concepção confronta um Direito Penal pautado no texto constitucional e que rechaça toda sorte de disposições de cunho moral, pois “são atentatórios ao princípio da dignidade da pessoa humana, e, assim, ao postulado da alteridade”.(5) Esta consideração é útil, inclusive, para afastar o parecer da Procuradoria-Geral da República – em sentido contrário – a que fez referência a relatora.(6)

Limitar à liberdade e à autodeterminação sexual o bem jurídico tutelado, como defendo, significa “substituir o objetivo genérico de tutela da moralidade sexual, por assim dizer, difusa, por bens jurídicos específicos que pretendam, de fato, preservar as condições de existência da sociedade ou os intangíveis valores da personalidade”.(7) Ademais, com o abandono da moralidade sexual, simultaneamente deixa-se de imprimir vigilância ostensiva às pessoas, possibilitando que cada qual escolha o que melhor lhe aprouver, no caso, encontrar-se voluntariamente numa casa para a realização sexual de seus clientes. Significa, em síntese, valorizar a autonomia humana.

Como discorre Renato Marcão, “há que se buscar um sistema de regulamentação criminal menos hipócrita possível, no qual não existe espaço para a tutela de valores puramente morais”.(8) Isso não significa, por evidente, condescendência em relação a condutas delituosas que possivelmente possam ocorrer no interior desses locais, como o tráfico de mulheres ou de drogas. Contudo, para evitar tais comportamentos, não é necessário valer-se de concepções morais.

No mesmo julgado decidiu-se que “o princípio da adequação social, por si só, não tem o condão de revogar tipos penais”. O Superior Tribunal de Justiça também pronunciou-se no sentido de que “a tolerância da sociedade ou o desuso não geram a atipicidade da conduta”(9) e “a eventual leniência social ou mesmo das autoridades públicas não descriminaliza a conduta”.(10)

Realmente, não é em termos de adequação social que esse delito deverá ser analisado nas Cortes Superiores de Controle, e não defendo a descriminalização do delito por motivo de leniência da sociedade, mas sim, porque não há qualquer objeto jurídico a ser tutelado neste comportamento, salvo socorrendo-nos unicamente da moral ou dos bons costumes que, repita-se, deveriam ser repudiados penalmente, porém, assim não o fez a Ministra. É simples: sem bem jurídico tutelado não há de se falar em tipo penal e, em consequencia, em adequação social.

Logo, respondendo à Wilfried Bottke, entendo que, definitivamente, não é a doutrina penal que se deve adequar ao posicionamento do Supremo Tribunal Federal, mas sim, que seus integrantes estudem as teses doutrinárias e, portanto, deixem de seguir uma cartilha na qual o Direito Penal é o Direito Judicial, e nada mais. Um colegiado que não exerce uma função crítica quanto ao bem jurídico tutelado favorece, talvez mesmo inconscientemente, a ocorrência de uma inflação de leis penais, uma vez que, sob os ombros da imoralidade, será capaz de ver-se mais adiante, ou seja, indiretamente, com o apoio da moral, poder-se-á, como menciona Luis Greco, “descobrir razões a partir das quais será possível justificar qualquer proibição penal”.(11)

NOTAS

(1) Winfried Bottke (BOTTKE, Winfried. ¿Adiós a la exigencia de protección de los bienes jurídicos? In: Derecho Penal del Estado Social y Democrático de Derecho. Libro en homenaje a Santiago Mir Puig. Trad. Trapero Barreales, Jericó Ojer y Martínez Cantón. Madrid: La Ley, 2010) refere-se à decisão do BVerfG 2 BVR 392/07, de 26.03.2008.

(2) 1ª Turma, HC n. 104.467/RS, rel. Min. Cármen Lúcia, de 08.02.2011.

(3) DIAS, Jorge de Figueiredo. Questões Fundamentais do Direito Penal Revisitadas. São Paulo: RT, 1999.

(4) DIEZ RIPOLLÉS, José. El bien jurídico protegido en un Derecho penal garantista. In: Jueces para la Democracia, n. 30, 1997.

(5) FRANCO, Alberto Silva; SILVA, Tadeu Antonio. Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial. 8. ed. São Paulo: RT, 2007.

(6) “(…) Temerário defender-se, assim, interpretação do texto constitucional que, a pretexto de prestigiar o exercício pleno das liberdades públicas, o faz em detrimento de princípio fundamental (…)”.

(7) PALAZZO, Francesco. Valores Constitucionais e Direito Penal. Trad. Gérson Pereira dos Santos. Porto Alegre: Fabris Editor, 1989.

(8) MARCÃO, Renato. Casa de prostituição. O crime do art. 229 do Código Penal, in Revista Síntese Direito Penal e Processo Penal, n. 65, Porto Alegre, IOB, 2011, p. 118.

(9) AgReg no REsp n. 1.167.646/RS, rel. Min. Haroldo Rodrigues, DJe 07.06.2010.

(10) REsp n. 820.406, rel. p/ acórdão Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 20.04.2009.

(11) GRECO, Luís. Tem futuro a teoria do bem jurídico? In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 82. São Paulo: RT, 2010.

Leonardo Schmitt de Bem
Doutorando em Direito Penal pela Università degli Studi di Milano, Itália, e pela Universidad de Castilla-La Mancha, Espanha. Mestre em Direito Penal pela Universidade de Coimbra, Portugal. Professor de Direito Penal em Santa Catarina.

Rosivaldo Toscano Jr - O Direito Penal do amigo do Poder!



O "Direito Penal do amigo do poder"

Publicado em 07/2011
"Existe um discurso alarmista e falacioso (e bem ao agrado das elites, como veremos mais abaixo) de que se deixarmos de punir criminalmente as pequenas infrações, ocorrerá o caos. Como se todas as pessoas deixassem de cometer furtos somente por causa da lei penal. Que se deixarmos de denunciar criminalmente os crimes insignificantes, haverá uma verdadeira corrida de saques aos supermercados e de danos ao patrimônio."
Há uns dias, absolvi sumária e extemporaneamente (vide aqui o que significa) um jovem miserável e dependente químico que teria furtado uma peça do compressor de uma geladeira. Valor do bem: R$ 50,00. A peça foi devidamente restituída, e na denúncia se reconhecia que a causa do furto tinha sido a dependência química do acusado. Mesmo assim, não foi pedida a aplicação de medida de segurança (clique aqui).
Dias depois, minha assistente chamou a atenção para o fato de que um dos promotores de justiça da chamada "Central de Inquéritos" apelou da decisão. É que aqui, antes do recebimento da denúncia, quem atua é uma equipe de parquets dedicada somente a essa fase da investigação, e não o promotor titular da Vara.
Na manhã seguinte, recebi um convite para ser palestrante no seminário "Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública e os Crimes Dolosos Contra a Vida", promovido pelo Conselho Nacional do Ministério Público - CNMP - em parceria com o Ministério Público do Rio Grande do Norte - MPRN. Pensei sobre o que iria dizer acerca da realidade do nosso sistema penal e quais as estratégias que teríamos que adotar para enfrentarmos esse problema. E a solução passa pelo modo com que lidamos com crimes como o do furto acima.
A impunidade nos crimes dolosos contra a vida no Brasil é gritante. Somente na Zona Norte de Natal, onde atuo, há 300 homicídios impunes. Muitos desses inquéritos há mais de dez anos sem conclusão. De outro lado, a prática que vejo é de atuação focada nos crimes contra o patrimônio, em não raros casos, situações até pitorescas, cuja atipicidade já está há muito pacificada nos tribunais superiores. Só para exemplificar, nos últimos tempos rejeitei denúncias ou absolvi sumariamente (extemporaneamente ou não) acusados em casos que tratavam de fatos como esses:
  1. Furto de 02 latas de leite em pó no valor de R$ 15,98 – bens restituídos (clique aqui);
  2. Furto tentado de dezessete calcinhas no valor individual de R$ 2,99 – bens restituídos;
  3. Furto de uma galinha, quatro câmaras de ar, dois aros de bicicleta e um pneu de bicicleta (galinha e bens devolvidos) (clique aqui);
  4. Furto mediante escalada de cinco cartões bancários (devolvidos) (clique aqui);
  5. Furto tentado de 22 barras de chocolate, num valor venal de R$ 98,50 – bens restituídos (clique aqui);
  6. Furto tentado de dois quilos de carne de charque e uma lata de azeite de oliva, avaliados em R$ 42,90 (clique aqui);
  7. Porte ilegal de uma munição percutida e não deflagrada (clique aqui);
  8. Porte ilegal de uma munição .380, um coldre e um carregador vazio (clique aqui);
  9. Porte ilegal de três munições .38 (clique aqui);
  10. Receptação de um chip de celular e suspeita de mais oito (clique aqui);
  11. Dano qualificado pelo amasso de um portão de um posto de saúde (clique aqui);
  12. Dano qualificado – arranhão em um orelhão da OI (clique aqui);
  13. Dano qualificado – acusado que tentou fugir de cela superlotada (clique aqui);
  14. Tentativa de furto de 5 desodorantes e um esmalte (clique aqui);
  15. Tentativa de furto de R$ 37,00 (clique aqui);
  16. Furto qualificado tentado, pois o acusado foi encontrado dormindo embaixo de uma das mesas do salão, agarrado a um saco preto onde se encontravam duas garrafas de uísque, uma da marca Teacher e outra da Bells. O conteúdo "subtraído" (leia-se "tomado") foi avaliado em R$ 50,00 (clique aqui);
  17. Furto tentado de um botijão de água mineral vazio (o acusado apanhou da vítima, uma jovem senhora);
  18. Furto tentado de 10 frascos de desodorante, no valor total de R$ 89,90, das Lojas Americanas (clique aqui);
Não dá para continuar esse estado de coisas. É preciso agir com planejamento. É tempo de (re)pensar a gestão e a estrutura dos órgãos de persecução penal e definir prioridades.
A norma penal deveria existir para a tutela de apenas alguns bens ou interesses cuja especial relevância justifique ser objeto de uma tão especial, grave e qualificada proteção, como é a penal. Mas o dia-a-dia demonstra o contrário. Os dados estatísticos do INFOPEN, do Ministério da Justiça, apontam para o seguinte quadro no sistema carcerário do RN (Dez. 2010):
- Presos por crimes contra o patrimônio: 1.730
- Presos por crimes contra a administração pública: 8
- Presos por tortura: 1
- Presos por corrupção ativa: 0
Como já alertei, há mais de 300 homicídios sem solução somente na Zona Norte de Natal. Há inúmeras denúncias de tortura, e mal se ouve falar de investigações em crimes contra a Administração Pública que, normalmente, lesam os cofres públicos em (bi)milhões de reais.
De outro tanto, praticamente não existe investigação. Os crimes que nos chegam são oriundos, quase exclusivamente, de prisões em flagrante. Para que o leitor tenha uma ideia, há quase um ano não há um pedido de interceptação telefônica na Vara em que atuo. Afinal, não se precisa disso para se por atrás das grades dependentes químicos que cometem pequenos furtos.
Forma-se um círculo vicioso. O Judiciário é pautado pelo Ministério Público, haja vista o princípio da inércia. O Ministério Público, via de regra, lida somente com os inquéritos que lhe chegam da polícia civil, geralmente flagrantes em pequenas infrações contra o patrimônio. A polícia civil, por sua vez, também não investiga. A maioria avassaladora de inquéritos termina sendo oriunda prisões em flagrante realizadas pela polícia militar. E essas prisões em flagrante, é claro, não atingem a corrupção, os crimes econômicos e de inteligência e nem casos complexos como homicídios sem autoria conhecida. 
Banaliza-se o controle da criminalidade, notadamente em se tratando de crimes metaindividuais, que atingem o Estado ou toda a sociedade. Ficam livres aqueles que minam os recursos públicos que seriam utilizados para inclusão social dos mais carentes, estes últimos exatamente os alvos dos flagrantes policiais. Acabamos por punir os subintegrados ou subcidadãos (vide aqui o quesignifica).
No final das contas, quem tem o poder de dizer o que o Judiciário vai punir ou não é a polícia militar! Os Órgãos que deveriam tomar as rédeas do sistema penal andam a reboque. Por isso é tão importante pensar estrategicamente, eleger prioridades. E essas prioridades devem ter relação direta com a gravidade da infração, haja vista o impacto e a relevância dela. E acredito que a vida e a dignidade da pessoa, bem como os recursos públicos, são mais importantes que o patrimônio privado.
Existe um discurso alarmista e falacioso (e bem ao agrado das elites) de que se deixarmos de punir criminalmente as pequenas infrações, ocorrerá o caos. Como se todas as pessoas deixassem de cometer furtos somente por causa da lei penal. Que se deixarmos de denunciar criminalmente os crimes insignificantes, haverá uma verdadeira corrida de saques aos supermercados e de danos ao patrimônio. Esquecem que o sistema penal é somente mais um dos meios de controle social. 
Se formos fazer uma pesquisa sobre os motivos pelos quais alguém não comete um furto, por exemplo, a maioria das pessoas dirá que é simplesmente porque é errado, feio ou pecado (moral) e não porque é crime (direito). O controle social mais eficaz reside na família, nos meios de comunicação, na escola e na igreja. O direito penal é residual e nem de longe tem o poder que se imagina ter de controle da sociedade.
Além disso, não esqueçamos que existe o direito civil e a consequente reparação do dano. Ficar inadimplente de um crediário, por exemplo, não é crime. É mero ilícito civil. E nem por isso todas as pessoas vivem inadimplentes. Não raras vezes a inserção do nome de quem cometeu um furto insignificante no SERASA, tem muito mais eficácia. A Parte Geral do CP, que é de 1940, e ainda aplicada acriticamente, não conhecia isso. Nessas pequenas infrações, os atores jurídicos precisam descobrir outros meios de tutela que não a penal ou a prisão, e dedicar seu tempo e os recursos insuficientes para o que realmente importa: crimes que violem de maneira grave os direitos fundamentais. 
Dentro dessa visão criminalizadora míope surgem os importadores de teorias estrangeiras, construídas sob realidades sociais extremamente diferentes das nossas (notadamente em face da não superação, aqui, sequer do Estado Social). E dentre esses juristas colonizados, quais as teorias que vem logo à cabeça? A das "janelas quebradas" e a do "direito penal do inimigo". 
A primeira reflete um paradigma já em desuso há muitos anos nos EUA e que previa que era punindo as pequenas infrações que se evitariam as grandes. Verificou-se que, na verdade, o bem-estar da economia americana é que influía na pequena criminalidade. Já a teoria do direito penal do inimigo partia do pressuposto da existência, na sociedade alemã, de alguém que não admite ingressar no Estado e assim não pode ter o tratamento destinado ao cidadão. Aqui no Brasil ocorre exatamente o contrário. A nossa luta ainda é de inclusão social de uma importante parcela dos nossos compatriotas que foi excluída à força. Resultado? Persecução penal focada nos crimes e criminosos menores.
Constrói-se, assim, o que chamo de "teoria do direito penal do amigo do poder". Isso porque se não temos capacidade de atuar em todos os casos e terminamos por punir apenas as pequenas infrações e pequenos infratores, fazemos, sem perceber, uma escolha perversa. 
Nas profundezas desse discurso punitivo se esconde uma prática subjacente de impunidade dos poderosos, daqueles que se encontram próximos ao poder. Isso porque enquanto o Ministério Público dedica seu tempo a essa demanda pequena, os grandes criminosos aplaudem, incólumes. Regozijam-se. Deixamos com pouca efetividade o combate à corrupção, com prejuízos anuais estimados em 69 bilhões de reais/ano (vide aqui), dinheiro esse de origem pública, isto é, de todos. Dinheiro que seria usado para diminuir nossa gritante desigualdade social. Incluir gente.
Temos que separar o joio do trigo, estabelecer prioridades. Ou continuaremos nesse abraço de afogados. Isso não é racional.
Aos adoradores inconscientes do "direito penal do amigo do poder", um alerta: você está sendo usado como inseticida social. Justiça? Ah! É só um detalhe nessa máquina louca.

Autor

Como citar este texto: NBR 6023:2002 ABNT

TOSCANO JR., Rosivaldo. O "Direito Penal do amigo do poder". Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2931, 11 jul. 2011. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/19517>. Acesso em: 12 jul. 2011.

Blog da Amanda




Por que não aceitei o prêmio do PNBE

Oi,
Nesta segunda, o Pensamento Nacional de Bases Empresariais (PNBE) vai entregar o prêmio “Brasileiros de Valor 2011″. O júri me escolheu, mas, depois de analisar um pouco, decidi recusar o prêmio.
Mandei essa carta aí embaixo para a organização, agradecendo e expondo os motivos pelos quais não iria receber a premiação. Minha luta é outra.
Espero que a carta sirva para debatermos a privatização do ensino e o papel de organizações e campanhas que se dizem “amigas da escola”.
Amanda

Natal, 02 de julho de 2011
Prezado júri do 19º Prêmio PNBE,
Recebi comunicado notificando que este júri decidiu conferir-me o prêmio de 2011 na categoria Educador de Valor, “pela relevante posição a favor da dignidade humana e o amor a educação”. A premiação é importante reconhecimento do movimento reivindicativo dos professores, de seu papel central no processo educativo e na vida de nosso país. A dramática situação na qual se encontra hoje a escola brasileira tem acarretado uma inédita desvalorização do trabalho docente. Os salários aviltantes, as péssimas condições de trabalho, as absurdas exigências por parte das secretarias e do Ministério da Educação fazem com que seja cada vez maior o número de professores talentosos que após um curto e angustiante período de exercício da docência exonera-se em busca de melhores condições de vida e trabalho.
Embora exista desde 1994 esta é a primeira vez que esse prêmio é destinado a uma professora comprometida com o movimento reivindicativo de sua categoria. Evidenciando suas prioridades, esse mesmo prêmio foi antes de mim destinado à Fundação Bradesco, à Fundação Victor Civita (editora Abril), ao Canal Futura (mantido pela Rede Globo) e a empresários da educação. Em categorias diferentes também foram agraciadas com ele corporações como Banco Itaú, Embraer, Natura Cosméticos, McDonald’s, Brasil Telecon e Casas Bahia, bem como a políticos tradicionais como Fernando Henrique Cardoso, Pedro Simon, Gabriel Chalita e Marina Silva.
A minha luta é muito diferente dessas instituições, empresas e personalidades. Minha luta é igual a de milhares de professores da rede pública. É um combate pelo ensino público, gratuito e de qualidade, pela valorização do trabalho docente e para que 10% do Produto Interno Bruto seja destinado imediatamente para a educação. Os pressupostos dessa luta são diametralmente diferentes daqueles que norteiam o PNBE. Entidade empresarial fundada no final da década de 1980, esta manteve sempre seu compromisso com a economia de mercado. Assim como o movimento dos professores sou contrária à mercantilização do ensino e ao modelo empreendedorista defendido pelo PNBE. A educação não é uma mercadoria, mas um direito inalienável de todo ser humano. Ela não é uma atividade que possa ser gerenciada por meio de um modelo empresarial, mas um bem público que deve ser administrado de modo eficiente e sem perder de vista sua finalidade.
Oponho-me à privatização da educação, às parcerias empresa-escola e às chamadas “organizações da sociedade civil de interesse público” (Oscips), utilizadas para desobrigar o Estado de seu dever para com o ensino público. Defendo que 10% do PIB seja destinado exclusivamente para instituições educacionais estatais e gratuitas. Não quero que nenhum centavo seja dirigido para organizações que se autodenominam amigas ou parceiras da escola, mas que encaram estas apenas como uma oportunidade de marketing ou, simplesmente, de negócios e desoneração fiscal.
Por essa razão, não posso aceitar esse Prêmio. Aceitá-lo significaria renunciar a tudo por que tenho lutado desde 2001, quando ingressei em uma Universidade pública, que era gradativamente privatizada, muito embora somente dez anos depois, por força da internet, a minha voz tenha sido ouvida, ecoando a voz de milhões de trabalhadores e estudantes do Brasil inteiro que hoje compartilham comigo suas angústias históricas. Prefiro, então, recusá-lo e ficar com meus ideais, ao lado de meus companheiros e longe dos empresários da educação.
Saudações,
Professora Amanda Gurgel

Entenda o que é o PNBE, que já premiou a Rede Globo.
Veja o vídeo da professora Amanda Gurgel que silenciou deputados em audiência pública no Rio grande do Norte. (http://www.youtube.com/watch?v=yFkt0O7lceA&feature=player_embedded)

Após atuação conjunta da Defensoria Pública de São Paulo e a Defensoria Pública da União, Tribunal Regional Federal suspende liminar que desalojaria 21 famílias em Avaré


Após atuação conjunta da Defensoria Pública de São Paulo e a Defensoria Pública da União, Tribunal Regional Federal suspende liminar que desalojaria 21 famílias em AvaréImprimir
Em uma atuação conjunta entre a Defensoria Pública de São Paulo e a Defensoria Pública da União (DPU), foi suspensa na última sexta-feira (22/7), por decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), a decisão liminar de juiz federal de Bauru que determinava a desocupação de cerca de 21 imóveis ocupados por famílias de baixa renda em terreno situado junto à antiga ferrovia Sorocabana, em trecho no município de Avaré.

Após a ordem de despejo determinada no final de junho, as famílias procuraram a Defensoria Pública paulista em Avaré para que a instituição atuasse na questão. Entretanto, como a ação de reintegração de posse foi ajuizada na Justiça Federal de Bauru, a Defensoria Estadual buscou apoio junto à Defensoria da União, que ingressou com agravo de instrumento na sequência. O efeito suspensivo foi concedido pelo Desembargador Federal Nelton dos Santos que considerou que a autora da ação, a concessionária América Latina Logística Malha Paulista S/A, não deveria receber a tutela antecipada por ter sido beneficiada com o mesmo instrumento em outro processo, de idêntica finalidade, que foi cassada pela falta de interesse da empresa na sua execução.

Segundo o Defensor Público Estadual Gustavo Rodrigues Minatel, que atuou no caso, a Defensoria Pública paulista reafirmou seu papel de órgão destinado a assegurar os direitos fundamentais das populações carentes, e agora irá buscar junto à Prefeitura Municipal de Avaré a implementação de políticas públicas capazes de sanar o problema que aflige os moradores da área ameaçada.

Já para o Defensor Público Federal Marcus Vinicius Rodrigues Lima, responsável pelo agravo deferido pelo TRF3, a inépcia da concessionária no processo anterior descaracteriza o “periculum in mora” – o perigo da demora - necessário para amparar a liminar expedida agora. Ao contrário, argumentou, o caso apresenta “periculum in mora reverso”, porque a liminar ameaça famílias sem “nem recursos financeiros nem tempo hábil para providenciar nova moradia”.

Marcus Lima, que é Defensor Público-Chefe da DPU/SP e titular do Ofício de Direitos Humanos e Tutela Coletiva da unidade, considerou também “grave” a decisão do juiz de Bauru de conceder a desocupação sem determinar quais as famílias que estão instaladas na faixa de domínio, espaço de 15 metros nas laterais da ferrovia. Por isto, pediu a realização de perícia “para identificar se existe e quais são as residências eventualmente construídas no território especificado”, afirmou.

Para o Defensor Público Estadual Bruno Bortolucci Baghim a parceria buscada pela Defensoria paulista junto à DPU deixou claro às autoridades envolvidas e à sociedade como um todo que os mais necessitados terão seus direitos assegurados de maneira intransigente, e em qualquer esfera, seja ela estadual ou federal. Trata-se de um trabalho conjunto que rendeu resultados relevantes, e que pode servir de base a novas parcerias, tendo como grandes beneficiárias as populações carentes e ameaçadas.

Plano de realojamento

Anteriormente, os Defensores Públicos haviam buscado junto ao juiz federal da 2ª Vara Judicial Federal em Bauru a reconsideração da tutela antecipada. Ao ingressarem com o pedido, os Defensores Estaduais Gustavo Rodrigues Minatel e Bruno Bortolucci Baghim, em conjunto com o Defensor Federal Marcus Lima, pleitearam ao juiz a suspensão da desocupação até a execução de plano de realojamento das famílias pela prefeitura de Avaré. O plano de realojamento, um entendimento da prefeitura com a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, prevê a construção de moradias dignas para as famílias ameaçadas, mas exige um prazo maior para que seja efetivado.
DPE/SP27/07/2011

Conjur - TJ paulista pede perdão para autora de apelação Por Fernando Porfírio


TJ paulista pede perdão para autora de apelação
Por Fernando Porfírio
O Tribunal de Justiça de São Paulo se penitenciou oficialmente com
Diva Ferreira, mãe de um garoto de 16 anos. Jhonny Rafael Ferreira de
Bahamontes agonizou por 45 minutos, na rua em que morava, em Campinas,
depois de ser atropelado por uma viatura policial. O socorro demorou
porque os policiais informaram à equipe de resgate, de propósito, o
endereço errado do local do acidente.
O pedido oficial de perdão da corte paulista foi provocado pelo
segundo erro do Estado. Desta vez, patrocinado pelo próprio
Judiciário. O Tribunal de Justiça levou dez anos para julgar o recurso
de apelação da mãe do adolescente. Diva reclamou do valor da
indenização arbitrado pelo juiz de primeira instância, em R$ 60 mil,
por danos morais.
“Embora sem responsabilidade pessoal no fato, vejo-me obrigado a me
penitenciar perante os autores, em nome da minha instituição, por esse
verdadeiro descalabro, que se procurará a partir de agora por fim”,
afirmou o desembargador Magalhães Coelho, que em 17 de junho se tornou
relator do recurso apresentado por Diva Ferreira.
“Por longos e inaceitáveis dez anos remanesceram inertes [os autos]
sem que os recursos fossem apreciados, constituindo-se o fato, na
prática, em denegação da jurisdição, responsabilidade da qual o
Tribunal de Justiça de São Paulo, como instituição respeitabilíssima e
necessária à garantia do Estado Democrático de Direito, não tem como
se furtar”, completou Magalhães Coelho.
O recurso de Diva Ferreira deu entrada no Tribunal de Justiça em 2001.
Depois de ficar por mais de nove anos com o desembargador de origem,
sem apreciação, foi redistribuído a outros dois julgadores. Só no mês
passado chegou às mãos de Magalhães Coelho. Em cinco dias estava com a
revisora, Beatriz Braga, que no mesmo prazo entregou à mesa para
julgamento.
A turma julgadora, formada por três desembargadores da 7ª Câmara de
Direito Público, reformou a sentença de primeiro grau, quanto ao dano
moral, aumentando a indenização para R$ 200mil. O tribunal manteve os
danos materiais (despesas do funeral e pagamento de pensão vitalícia)
e reconheceu a responsabilidade do Estado pela tragédia.
“Nunca, em meus quase 30 anos de magistratura, vi um caso tão
perverso, causado pela burocracia judicial”, disse o desembargador
durante a sessão de julgamento. “Em nome do Tribunal de Justiça, quero
me penitenciar com essa mãe pela demora injustificada para julgar caso
tão grave”, completou.
Magalhães Coelho afirmou que o grande volume de processos, distribuído
a juízes e desembargadores, não pode servir de justificativa para a
demora de mais de dez anos para julgar o recurso. Segundo o relator,
essa realidade tem que ser mudada sob pena de comprometer a
credibilidade da justiça. “Não imagino o que essa mãe pode pensar da
justiça de São Paulo”, completou.
O acidente
O garoto sofreu acidente na esquina da casa onde morava, em setembro
de 1998. Ele passeava com sua mobilete quando foi atropelado por um
carro da Polícia. A viatura passava pelo local em alta velocidade, com
os faróis apagados e a sirene desligada. Depois do acidente, os
policiais demoraram a chamar o resgate e quando o fizeram deram o
endereço errado.
A Fazenda do Estado alegou que não podia ser condenada pelos danos
morais e materiais uma vez que houve culpa exclusiva da vítima no
acidente. De acordo com a defesa, o garoto conduzia a motocicleta sem
a devida habilitação, conduta que, sendo ilegal tanto do ponto de
vista civil como criminal, descaracterizaria a responsabilidade civil
do Estado.
A turma julgadora não aceitou a tese da Fazenda do Estado. “Não
bastasse a imprudência dos policiais na condução da viatura, uma vez
ocorrido o acidente, a vítima demorou mais de quarenta minutos para
ser socorrida, já que os agentes públicos tardaram em chamar o resgate
e, quando o fizeram, informaram o endereço errado”, disse o
desembargador Magalhães Coelho.
De acordo com o relator, os policiais agiram com desrespeito à vítima
e sua família e foram agressivos ao impedirem, com violência, que os
parentes se aproximassem do garoto que agonizava à espera de socorro.
“No caso, a conduta dos agentes públicos [policiais] feriu os direitos
mais essenciais da autora [mãe], ao passo que não bastasse causar o
acidente por imprudência trataram a vítima e os seus familiares de
maneira atroz, de forma incompatível com os seus deveres funcionais,
maculando a instituição a que servem”, justificou o relator para
aceitar o pedido da mãe de aumento do valor da indenização por danos
morais.
“O valor da indenização deve, assim, servir de instrumento para
conscientizar os agentes públicos das consequências de seus atos
negligentes e abusivos, cabendo à Fazenda Estadual conferir
efetividade a esta finalidade da sanção por meio do ajuizamento de
ação de regresso”, completou.
Meta 2
A indignação do desembargador com o desleixo de sua instituição ocorre
num momento delicado, em que a corte paulista faz uma verdadeira
faxina, redistribuindo processo que estavam encalhados a anos, no
acervo de desembargadores. No centro do debate está a Resolução
542/2011 e a redistribuição de um acervo de mais de 47 mil recursos da
chamada Meta 2, do CNJ. A medida é alvo de bombardeios no CNJ e no
STF.
Baixada no final de março, a Resolução prevê o julgamento de todos os
processos que deram entrada na corte paulista até 31 de dezembro de
2006. Vai um pouco além ao fixar metas de produtividade para todos os
desembargadores e possibilitar a aplicação de sanções administrativas
para os que não as cumprirem. A redistribuição atinge desembargadores
com atraso no acervo e manda para os gabinetes dos magistrados que
estão com os recursos em dia para que façam os julgamentos dos
litígios parados por tanto tempo.
De acordo com o ato, os julgadores que receberão os acervos não serão
prejudicados por terem sido mais rápidos. Para compensar, terão
suspensa a distribuição. Os retardatários, ao se livrarem dos
processos antigos, receberão três novos para cada um que mandarem aos
seus colegas. Essa regra foi uma estratégia importante para arrefecer
o ímpeto de quem não se conformava em trabalhar para os “outros”. Nos
primeiros dias da resolução, havia até ameaças de representação ao
CNJ.
Além disso, os processos antigos em mãos dos retardatários deverão ser
julgados em 120 dias, sob pena de apuração de responsabilidade
disciplinar. Da mesma forma, serão responsabilizados os que tiverem
produtividade igual ou inferior a 70% da média da Seção onde atua. Há
ainda outro detalhe: os que são professores terão reexaminadas as
autorizações para docência. Em outras palavras: serão lembrados de que
a magistratura é a atividade principal.
Para a maioria dos desembargadores paulistas, a Resolução 542, por si
só, não será a solução para todos os problemas da morosidade da
Justiça. Porém, ela tem a grande virtude de colocar um basta na
tradição de tolerância que sempre existiu em relação aos atrasos nos
tribunais.
Fernando Porfírio é repórter da revista Consultor Jurídico
Revista Consultor Jurídico, 26 de julho de 201

I - Forum do Instituto Delmanto e EBEC de Direito Penal - RECOMENDO


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 Encaminhar

26/07/2011

Dora Martins - Violência Doméstica – de gol e de porrada


Violência Doméstica – de gol e de porrada

(5’08” / 1,18 Mb)  – Domingo de sol. Time em campo. Televisão ligada. Cerveja gelada. E, de repente, um gol anulado. Raiva e gritos, berros, e não falta para ninguém. Cachorro e mulher apanham juntos.  
João Bosco e Aldir Blanc, fazendo a arte imitar a vida, imortalizaram essa cena nos versos de “Gol Anulado”, que Elis Regina canta tão bem: “Quando você gritou, Mengo!, no segundo gol do Zico, tirei sem pensar o cinto e bati até cansar”.
A música popular brasileira está repleta de exemplos de mulher que apanha porque o time ganha, porque o time perde, porque ela diz ama, porque ela não quer mais, porque ela quer demais. Porque ela é bonita, porque ela é feia. Porque ela chora ou ri. Não faltam sambas a dizer que a “mulher é um jogo, difícil de ganhar, e o homem como um tolo não se cansa de jogar.”
A despeito de todas as mudanças do último século XX, de movimentos feministas, do mercado de trabalho pleno de mulheres, estas, no Brasil, estão, ainda, na marca do pênalti da violência que ocorre dentro de casa, no sacrossanto lar, no qual as paredes não falam e só ouvem, mudas, os gritos de dor. Vizinho não se mete em bronca de marido e mulher e tem até delegado de Polícia que acha que mulher, no fundo, no fundo - porque será? - gosta de apanhar!
A violência doméstica faz vítimas diárias, pelo Brasil afora. Diz à estatística que são dez mulheres assassinadas por dia. A cada 24 segundos de cada dia, uma mulher brasileira está levando supapo do marido, de seu homem, do amante, do ex, do atual, do chefe do lar; porrada de graça, por graça, porque é mulher.
Faz cinco anos que o legislativo brasileiro criou uma lei, palavra por palavra, mostrando que o problema é sério e que é preciso solução. Criamos o Pacto Nacional pelo Enfrentamento a Violência Contra a Mulher e necessitamos, todos, homens e mulheres, exigir que o Estado cumpra tal pacto, incremente políticas de cuidados à família, para que homem e mulher possam realizar uma composição de respeito, de reconhecimento de que são sujeitos de direito e de deveres de afeto.
A chamada Lei Maria da Penha veio para afastar homem violento da mulher vítima, tentar estancar o gesto bruto e aliviar a dor do corpo e a dor da alma. E, com a lei posta no papel, há que fazê-la funcionar. Para isso, é preciso ter delegacia da mulher, delegada mulher para compreender o choro, ver o olho roxo, a marca mais funda.  E é preciso um Poder Judiciário ferramentado para ser rápido e eficiente. Cabe ao Estado, num primeiro momento, proteger a mulher e depois, mais que punir, orientar o homem.
A família desfeita precisa de cuidados. Estão todos feridos. Um pela dor da violência na pele, outro pela dor da violência nas mãos brutas. São Paulo vai instalar e fazer funcionar, nos próximos dias duas Varas Especializadas em violência doméstica. São serviços urgentes e necessários e sabem-se já insuficientes para a imensa população que busca a justiça.  É preciso mais, é preciso que setores do estado funcionem para que tudo seja mais direito que torto, mais justo que injusto, menos violento e mais pacífico.
Se houver dignidade e respeito para a criança e para o jovem, se houver um crescer amoroso dentro da família e longe da miséria, menino não vira homem violento por nada, e menina não vira mulher que vai ficar para ver onde o tapa dói. A espiral da violência começa em casa e acaba na rua. É preciso fazer cessá-la. É preciso dar uma chance para o afeto e para o amor. Senão, fica-se como na música: fim de jogo, fim de dia, o “radio está desligado, como se irradiasse o silêncio do amor terminado” e, com mágoa ressentida se aprende “que a alegria de quem está apaixonado é como a falsa euforia de um gol anulado”.
Dora Martins é integrante da Associação Juízes para a Democracia.
19/07/11

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