Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos

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17/06/2010

Um botijão de gas.... ao Arquivo. Promoção de Márcio Berclaz. Dele só se pode esperar isto.

EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA VARA CRIMINAL DE FORMOSA DO OESTE/PR

“Eu sei que já faz muito tempo que a gente volta aos princípios, tentando acertar o passo, usando mil artifícios, mas sempre alguém tenta um salto, e a gente é que paga por isso, oh! (...) bichos do mato em busca do mito, de uma nova sociedade, escravos de um novo rito (...) e se o sol ainda nasce quadrado, e a gente ainda paga por isso; (...) quem é que vai pagar por isso? Quem é que vai pagar por isso” Lobão.

AUTOS DO INQUÉRITO POLICIAL N° 2010. 01490

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, por seu órgão signatário, no exercício de suas atribuições legais, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com base no disposto no artigo 395, incisos II e III, do Código de Processo Penal, apresentar PROMOÇÃO DE ARQUIVAMENTO do inquérito policial em epígrafe, com base nos fatos e fundamentos jurídicos adiante expostos:
1. O presente produto de investigação preliminar foi instaurado para o fim de averiguar as circunstâncias de crime de furto de butijão de gás com “meia carga” (avaliado em R$ 100,00), fato ocorrido no Município de Nova Aurora/PR, tendo como vitima C. X., no último dia 06 de junho de 2010.

2. Evidentemente que o caso impõe a promoção de arquivamento, aliás, como já antecipado quando da manifestação ministerial apresentada quando da própria comunicação do flagrante (fl. 59), expediente sobre o qual somente não houve pedido integral de relaxamento por entender este Órgão Ministerial que a autuação do flagrante em si não pode ser tida como medida “ilegal” seja porque a questão depende de interpretação, seja porque a autoridade policial, no mais das vezes, faz exame apenas formal da tipicidade (ainda que assim não devesse ser, já que o conceito tripartido de crime exige fato típico, ilícito e culpável; já que tipicidade deve ser tanto formal como material).

3. Que subtrair butijão de gás residencial se enquadra no conceito do delito de furto, disso não resta dúvida, de modo que não se discute a subsunção formal da conduta imputada à figura criminosa em questão. Agora, que o furto de um butijão de gás, da casa de quem quer que seja, cidadão comum ou mesmo Vereador, não configura, definitivamente, mínima ofensa patrimonial capaz de justificar tipicidade material que autorize a persecução penal, desse entendimento está este Órgão Ministerial convencido, até mesmo para manter coerência com casos análogos já enfrentados..

4. Ainda que se reconheça valor à avaliação feita em sede policial (superestimada, aliás, o que se depreende de qualquer pesquisa atual sobre o preço médio de um butijão de gás, especialmente com carga pela metade), evidente que o valor apontado não chega a 20% (vinte por cento) do salário-mínimo vigente, sendo indiscutivelmente bagatelar.

5. Por mais draconiana e fechada que seja a interpretação, mesmo para os adeptos da corrente da “lei e da ordem”, difícil imaginar sustentação jurídica e fática para que alguém visualize desvalor da ação suficiente para desautorizar a incidência da insignificância no caso concreto. Falar em desvalor de resultado para um furto ridículo como este, para um butijão de gás com meia carga e recuperado, parece igualmente insustentável.

6. O objeto de subtração é de valor ínfimo, irrisório, inexpressivo e, portanto, incapaz de configurar mínima tipicidade material e justa causa que autorize persecução penal. Faz-se aqui exame do direito penal do fato em questão, desconsiderando histórico ou outras passagens do acusado, o que se espera de um verdadeiro Estado Democrático de Direito em que haja verdadeiro controle do sistema penal praticado pela agência policial estatal.

7. O fato descrito, pela natureza e valor do bem subtraído, não assume tipicidade material relevante para justificar o desencadeamento de ação penal, especialmente porque a prova produzida se limitou na versão dos investigados.


8. Assim, firme numa convicção constitucional-garantista, certo de que o direito penal deve primar por uma idéia de intervenção mínima, analisado o contexto do fato delituoso à luz deste específico caso concreto, em não sendo caso de crime cometido mediante violência ou grave ameaça, a melhor alternativa passa pelo reconhecimento da carência de tipicidade material da conduta praticada e, via de conseqüência, subsidiariamente, pela configuração da ausência interesse de agir[1] a justificar o desencadeamento de ação penal, ante ao princípio da insignificância, dado o ínfimo (quando não propriamente vil), valor do bem subtraído.

9. Com efeito, na hipótese dos autos, acolhendo entendimento oriundo do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que o parâmetro para a aplicação do princípio da insignificância deve estar estritamente relacionado ao bem jurídico tutelado e ao tipo de injusto (STJ, HC 34.641-RS, relator ministro Felix Fischer, julgado em 15/06/04), por medida de política criminal orientada sob a compulsória ótica do princípio da intervenção mínima, da lesividade e da atuação penal como “ultima ratio” – entende o Ministério Público as balizas objetivas e subjetivas deste caso concreto estão a desautorizar o oferecimento de denúncia.

10. Isto porque, sem prejuízo de que os pressupostos da autoria e materialidade pudessem oportunizar o oferecimento da exordial acusatória, tem este Órgão Ministerial oficiante que a melhor interpretação para o caso concreto, coerente com os postulados da Constituição Federal, à vista da teoria de proteção do bem jurídico-penal, soluciona-se com a compulsória promoção do arquivamento do feito ante a indiscutível caracterização de crime bagatelar.
11. Isto porque, ainda que remanesça a previsão legal da figura do furto privilegiado ou de pequeno valor (artigo 155, §2°, do Código Penal), a valoração das circunstâncias deste caso concreto, especialmente o diminuto valor dos bens materiais objeto de furto, está a indicar, por antecipação, não ser razoável a propositura de ação penal, aplicado o princípio da proporcionalidade (artigo 5°, LV, da Constituição Federal), balizado pelos subprincípios da necessidade, adequação e, sobretudo, proporcionalidade em sentido estrito).

12. Ademais, se o legislador pátrio não observa os princípios caros ao direito criminal, vez que apresenta nítida vocação para a criação irracional e desmedida de novos tipos penais, contrariando os estudos da criminologia e maximizando e inflacionando a intervenção penal, o que, por vezes, implica na sua própria banalização da Agência Criminal, é salutar que o intérprete e o operador do direito, cada qual com seu embasamento teórico e sua mundividência, tenha a cautela e a percepção crítica de adotar critérios capazes de resguardar a propositura de ação penal somente nos casos em que haja mínima justa causa para tanto, quando mais na hipótese vertente, em que reduzida é a perigosidade social do acusado.
13. Neste sentido, cumpre tomar de empréstimo a valiosa doutrina de MAURÍCIO ANTÔNIO RIBEIRO LOPES, in “Princípio da Insignificância no Direito Penal” – Série Princípios Fundamentais do Direito Penal Moderno, vol. 02, Editora RT, 1997, p. 142:

“O Direito Penal, como já disse alhures, deve ser visto como um instrumento de controle social ao que, não obstante, só há de acudir-se naqueles casos em que, pela importância dos bens jurídicos em jogo ou por especial virulência com a qual esses bens são atacados, se faz necessário a aplicação da mais enérgica das intervenções que o Estado pode impor.
Hoje em dia a intervenção penal do Estado só se justifica na medida em que resulta necessária para a manutenção de sua organização política dentro de uma concepção hegemônica e isso só ocorre quando se trata de proteger bens jurídicos”.
14. Assim, tecnicamente, é de se entender que embora o fato praticado pelo acusado amolde-se formalmente ao disposto no artigo 155, “caput”, do Código Penal, as circunstâncias do evento criminoso estão a indicar a ausência de tipicidade material na conduta, sempre tendo como parâmetro a natureza do bem jurídico salvaguardado e, sobretudo, a ausência de significativo grau de ofensa a esse valor juridicamente protegido.

15. Por conseguinte, deixando um pouco de lado a segurança jurídica, cuja incidência deve ceder na tensão e ponderação de valores em conflito no caso concreto, impõe-se a aplicação do princípio da insignificância, contanto que esta se implemente de forma criteriosa e responsável, considerando, além dos aspectos antes aventados, a necessidade de racionalizar a intervenção penal, não só como forma de evitar dispêndio desnecessário de recursos de parte do Estado, mas, sobremodo, como forma de redefinir prioridades, isto é, canalizar a direcionar a esfera punitivo-estatal para o combate dos crimes que, efetivamente, produzem intranqüilidade social.

16. Em tempos em que disputa ideológica entre o direito penal do risco e o direito penal do inimigo, forçoso reconhecer que aquele que furta um bem de valor ínfimo, tanto não oferece risco à sociedade como, via de conseqüência, não pode ser considerado inimigo para fins de submeter-se a reprimenda penal de parte do mesmo corpo social, estando, por força disso, deslegitimada a aplicação punitiva.

17. Colho de empréstimo a posição de JOSÉ ANTÔNIO PAGANELLA BOSCHI (“Ação Penal” – Editora Aide, 2ª edição, 1997, p. 110):

“Concluindo, nossa convicção é de que, na criminalidade de bagatela, a conduta do agente é típica, só que desprovida de censura social ou jurídica. Como é, portanto, materialmente lícita, a despeito da tipicidade formal, dita conduta não será alcançada pela norma penal incriminadora, gerando, no campo processual, a impossibilidade jurídica de pedir-se a imposição de pena e, conseqüentemente, o desinteresse do Estado na movimentação da jurisdição, por carece de sentido a edição de provimento de mérito. É dever do Promotor – como fiscal da lei e órgão da Justiça – evitar a sujeição do indiciado a processo penal, nessas condições, o que fará requerendo, fundamentadamente, o arquivamento do inquérito ou peças de informações”.

18. Na linha desta fundamentação jurídica há precedente recente em sede do Superior Tribunal de Justiça a respeito do tema, no qual restou afirmado o seguinte:

“A missão do Direito Penal moderno consiste em tutelar os bens jurídicos mais relevantes. Em decorrência disso, a intervenção penal deve ter o caráter fragmentário, protegendo apenas os bens jurídicos mais importantes e em casos de lesões de maior gravidade. O princípio da insignificância considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de uma mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica provocada” – grifou-se -

(Informativo de jurisprudência do STJ n° 230, de 22 a 26 de novembro de 2004, Recurso Especial n° 406986/MG, Relator Ministro Hélio Quaglia Barbosa, julgado em 23/11/2004).

19. No mesmo sentido, esta a posição do então existente Egrégio Tribunal de Alçada do Estado do Paraná:

“APELAÇÃO CRIMINAL MINISTERIAL - CRIME DE FURTO NA FORMA TENTADA - NÃO CARACTERIZADO - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - APLICABILIDADE - IRRISÓRIO VALOR SUBTRAÍDO (...). Admite-se a aplicação do princípio da insignificância em algumas modalidades de furto, como evidenciado nesta hipótese, em que a vítima não sofreu dano relevante ao seu patrimônio. "O princípio da insignificância, não obstante a divergência doutrinária, quanto à sua natureza jurídica (excludente de tipicidade, ou excludente de culpabilidade) significa a irrelevância jurídica do resultado, afetando, materialmente, a estrutura do delito". (RESP 167.925 - MG, Min. Vicente Cernicchiaro, DJ 01/02/99)” –grifou-se -
(TA-PR – Primeira Câmara Criminal; Apelação Criminal n° 0262107-4, Relator Juiz Cunha Ribas, julgamento em 12/08/2004)

20. Por derradeiro, tomo de empréstimo a valiosa lição de HANS HEINRICH JESCHECK e THOMAS WEIGEND (“in” Tratado de Derecho Penal – Parte General – Editora Comares, 2002) – no sentido de que “(...) el merecimiento de pena depende de três variables (valor del bien jurídico, peligrosidad del ataque y reprochabilidad de la actitud interna del autor”. Ausentes tais premissas, à luz do raciocínio já explicitado, despropositada a drástica intervenção jurídico-penal.

21. O exame da insignificância ou bagatela precisa ser objetivo e pautado em critérios, e é isso que aqui se faz. O direito penal já é por demais “seletivo” para conviver com mais criminalização da pobreza. Afinal, a intervenção do direito penal apenas se justifica quando o bem jurídico tutelado tenha sido exposto a um dano impregnado de significativa lesividade” (Informativo n. 423 do STJ, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, julgado em 18/02/2010).

22. Um sonegador de impostos de milhares e milhões faz um REFIS e, pronto, não há como acioná-lo criminalmente. Mesmo para um crime contra o interesse público de descaminho há compreensão da insignificância como parâmetro previsto dentro de um limite de R$ 10 mil reais (artigo 20 da Lei 10.522/2002). E quer-se persecução penal para um “ladrão” de butijão de gás “com meia carga”? Definitivamente não. Um autor de furto de butijão de gás precisa é de políticas públicas e oportunidades para construir vida digna, precisa ser alvo da materialização dos objetivos da República, não de vitimização injusta pelo sistema penal, situação que, a rigor, já ocorreu, considerando que o investigado encontra-se preso desde 06 de junho de 2010 até a presente data, ou seja, há mais ou menos 12 (doze) dias, tudo pelo furto de um butijão de gás com meia carga....

EM FACE DO EXPOSTO, com base nos argumentos expendidos, o MINISTÉRIO PÚBLICO, por seu agente ministerial signatário, pelos e fundamentos jurídicos expostos, delibera pela PROMOÇÃO DE ARQUIVAMENTO o presente expediente policial de instrução preliminar. Ciência ao Poder Judiciário.

A partir da promoção do arquivamento, qualquer que seja a postura deste Juízo, imperativa a imediata soltura do acusado por este processo, o que desde já se requer, sob pena de constrangimento ilegal

Formosa do Oeste, 17 de junho de 2010 às 18h25min.


Márcio Soares Berclaz
Promotor de Justiça

[1] Desinteresse penal que está “caracterizado pela irrelevância jurídica do bem para tutela penal”, na linha de recente precedente do STJ, consistente no Recurso Especial nº 617049/RN, Relatora Ministra Laurita Vaz, DJ 04/04/2005, p. 337.

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