Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos

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13/06/2009

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12/06/2009

Puxada de Orelha Merecida



Ana Claudia Pinho me deu uma puxada de orelhas. Claro, foi merecido. Ela escreveu, corretamente, sobre isto: O artigo dela!

IN DUBIO PRO SOCIETATE x PROCESSO PENAL GARANTISTA
(Ana Cláudia Bastos de Pinho)1

“Na dúvida, arquiva-se, tranca-se a Ação Penal ou absolve-se (in dubio pro reo), e nunca se processa, pronuncia-se ou condena-se (in dubio pro societate).
As garantias individuais são direitos concretos que prevalecem ante as abstrações (in dubio pro societate), estas servem ao direito autoritário, aos regimes antidemocráticos ou aos governos ditatoriais.
Não se pode permitir que nos regimes democráticos as abstrações “em nome da sociedade” venham destruir o sistema jurídico humanitário positivo, para dar lugar a um odioso direito repressivo, onde o Estado condena e acusa sem provas concretas”2
(Cândido Furtado Maia Neto – Promotor de Justiça do Estado do Paraná)
O objetivo primordial do presente texto não é outro, senão fomentar o debate, no sentido de identificar até que ponto o modelo de processo penal garantista, implantado pela nova ordem constitucional, vem sendo (des)respeitado ante a proliferação de ações penais infundadas, nascidas sob o escudo do vetusto in dubio pro societate.
Não é de hoje que a comunidade jurídica nacional, notadamente os processualistas de escol, clama por uma alteração em nosso Código de Processo Penal, a fim de compatibilizá-lo com os princípios e institutos consagrados na Carta Política de 19883.
Erigido sob as aspirações autoritárias do Estado Novo e descompromissado com as garantias individuais, o Código de Processo Penal está anacrônico e repleto de dispositivos que não foram recepcionados pelo ordenamento maior.
As alterações pontuais são imprescindíveis e urgentes, é bom que se repita. Porém, além disso, necessária se faz uma verdadeira mudança de mentalidade por parte dos operadores jurídicos, no sentido de pensar o processo penal, não mais como uma obrigatória necessidade de implementar a “luta contra o crime” para assegurar a “ordem social”, mas como um legítimo instrumento a serviço de um Direito Penal democrático e, acima de tudo, a serviço dos direitos fundamentais do cidadão.
A relação entre processo e Estado é inconteste, já que o processo é uma manifestação do Direito positivo e este, por óbvio, influenciado por razões de ordem política, sociológica, cultural que inspiram o exercício do poder estatal.
O Direito Processual Penal, em particular, reflete de forma bastante clara essa interdependência, pois é no âmbito de sua aplicação que se tornará mais evidente a equação ius puniendi x ius libertatis.
A tendência ideológica do Estado irá determinar o modelo de processo penal aplicado. Como bem observa JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, citado por Antônio Scarance Fernandes, “tem o direito processual penal na sua base o problema fulcral das relações entre o Estado e a pessoa individual e da posição desta na comunidade”4.
Desta forma, quanto mais autoritário o Estado, menos o sujeito passivo da relação processual será visto como cidadão, mas como mero “objeto de inquisição”, para usar a expressão do autor português. Os Estados de inspiração democrática, por seu turno, exigem, para a sua própria sobrevivência, respeito às garantias individuais, aos direitos naturais que, a este passo, já foram todos constitucionalizados pelas Cartas modernas.
Pois bem, o que temos, hoje, no Brasil? Um sistema processual penal codificado às luzes fascistas da Era Vargas em confronto com uma Constituição Federal garantista, que consagrou, como fundamento do Estado Democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana e elevou a dogma de princípio maior, dentre outros, a presunção do estado de inocência.
Segundo os fundamentos da teoria do garantismo, magnificamente tratados na obra Derecho y Razón – teoria del garantismo penal, de LUIGI FERRAJOLI, somente se pode conceber o exercício do ius puniendi estatal se assegurada a tutela dos direitos fundamentais. É imprescindível, portanto, buscar um ponto de equilíbrio entre o dever do Estado de punir e o dever desse mesmo Estado de respeitar as garantias individuais constitucionalizadas5.
É exatamente nesse dilema que surge o conflito efetividade x normatividade, ressaltado por Ferrajoli. De nada adianta, em síntese, existir uma Constituição Federal garantidora de direitos fundamentais se, na prática, essas garantias são atropeladas pela aplicação de normas e conceitos oriundos de um sistema falido e de conotação antidemocrática.
Nesse sentido, salta aos olhos a aplicação, infelizmente ainda comum nos meios forenses, do in dubio pro societate para dar início a ações penais (públicas e privadas) sem razoável conjunto probatório, na esperança de que possam ganhar robustez na instrução processual. A regra, portanto, seria: na dúvida, processa-se. Se, até o final da instrução, permanecer a dúvida, absolve-se.
Será que tal orientação está de acordo com o processo penal garantista? Como compatibilizá-la com o princípio da presunção do estado de inocência? Por que o in dubio pro reo só pode ser aplicado no final do processo, quando se sabe que o processo, em si, já é uma pena? A princípio, a resposta a tais questionamentos somente pode ser encontrada caso se admita que a interpretação pelo in dubio pro societate, definitivamente, não está conforme o texto constitucional.
Nesse sentido, primorosa é a lição de AURY LOPES JR., ao afirmar que “também é importante desmascarar o frágil argumento de que no momento de admissão da denúncia exista uma presunção de in dubio pro societate. Não só não existe no plano normativo tal previsão, como, se existisse, seria inconstitucional, pois, ao afirmar que na dúvida deve-se proceder contra uma pessoa, estaríamos retirando o manto de proteção constitucional da presunção de inocência”6. (destaques apostos).
Como bem identificou o autor acima, é oportuno que se diga, inicialmente, que – apesar do in dubio pro societate se identificar perfeitamente com o modelo autoritário do Código de 1941 – em nenhum momento foi ele previsto de forma expressa na lei.
Com efeito, o art. 41, do C.P.P., que trata dos requisitos da denúncia e da queixa, dispõe que a exordial da ação penal “conterá a exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias”. Ora, se o autor da ação precisa narrar o fato criminoso de forma circunstanciada deve ter, naturalmente, provas suficientes para tanto.
É o que AFRÂNIO JARDIM chama de “suporte probatório mínimo”, salientando: “torna-se necessária, ao regular exercício da ação penal, a sólida demonstração, prima facie, de que a acusação não é temerária”7.
Infelizmente, muitas acusações temerárias e vazias são levadas a cabo, na falsa premissa de que a dúvida deve prevalecer em favor da sociedade, ainda que para isso, exponha-se o réu ao constrangimento indevido de um processo penal, com toda a carga estigmatizante que o acompanha.
É imperioso salientar que não se está aqui a pregar a necessidade da certeza para ajuizar a ação penal, até porque esta sempre será relativa. O que se pretende é minimizar os males que a dúvida traz ao sujeito passivo da relação processual. E qual o limite da dúvida?
Com maestria, AURY LOPES JR.- ao tratar dos sistemas de investigação preliminar no processo penal - destaca que referida fase pré-processual (no Brasil, representada pelo Inquérito Policial) deve funcionar como um “filtro” para evitar acusações infundadas. Afirma o autor que o filtro processual é necessário em razão de três fatores: o custo do processo (incluindo-se, aqui, as penas processuais), o sofrimento que causa para o sujeito passivo e a estigmatização social e jurídica que gera8.
CARNELUTTI, citado por Lopes Jr., ensina que, enquanto a investigação deve se prender somente ao juízo de mera possibilidade, a ação penal, para ter início, exige mais do que isso, exige efetiva probabilidade. Possibilidade significa que as razões favoráveis e desfavoráveis à hipótese (imputação) são equivalentes; enquanto a probabilidade indica uma predominância das razões positivas (em favor da acusação) sobre as negativas9.
Total razão assiste ao insígne processualista. Acusações injustificadas, com base no in dubio pro societate, possuem um efeito criminógeno espetacular. Além de submeter o imputado ao constrangimento natural do processo penal, ainda o expõe a outras conseqüências mais drásticas, verdadeiras penas processuais, como v.g., as prisões cautelares e os assédios da mídia sensacionalista que se alimenta de escândalos e muitas vezes sequer espera a formalização da acusação, promovendo uma execração pública do investigado antes mesmo de existir processo.
É interessante notar que qualquer pessoa pode ter contra si ajuizada uma ação de natureza civil, tributária, trabalhista, sem que isso lhe cause algum mal ou a exponha a qualquer situação vexatória. Tal não ocorre com o processo penal, que rotula e estigmatiza. É o que a Criminologia moderna chama de labeling approach (teoria do etiquetamento).
Em razão de acusações sem justa causa, o indivíduo sofre todas as agruras do processo penal, todas as humilhações e, não raro, corre o risco de ser segregado provisoriamente para, após encerrada a instrução, vir a ser absolvido por falta de provas. Essa é a conseqüência perniciosa da aplicação do in dubio pro societate.
Como bem observa LOPES JR., “muitos processos infundados acabam em uma absolvição, esquecendo-se que, no caminho, fica uma vida destruída, estigmatizada”10.
Importante destacar, nesse contexto, a preocupação dos processualistas que coordenam o projeto de reforma do Código de Processo Penal em implantar uma fase intermediária contraditória, após a investigação policial e antes da formação da lide, a fim de que o Juiz, obedecido o contraditório, possa exercer um controle de pré-admissibilidade da acusação, exatamente para evitar as acusações graciosas. Sem dúvida, trata-se de uma providência inarredável e comprometida com o garantismo e que vem ao encontro do que ora se sustenta.
Esse parece ser o caminho certo. Enterrar para sempre todos os conceitos e valores nascidos com o antigo regime, entendendo que eles não mais fazem parte deste mundo.
As ciências criminais, hoje, não são mais expressões do autoritarismo, mas ferramentas colocadas à disposição dos operadores jurídicos para sedimentar o Estado Democrático de Direito. Para isso, cumpre repensar os institutos, sem preconceitos e formalismos; sem preocupações de desagradar aos dogmas arcaicos, repassados por teorias que serviram a outros interesses. É tempo do funcionalismo roxiniano, para um casamento definitivo da dogmática com a política criminal.
Enfim, recorrendo, novamente, a Ferrajoli, é preciso dar concreta efetividade ao comando normativo que já integra o corpo constitucional, sob pena de existir um abismo, cada vez maior, entre o Direito e a democracia.

08/06/2009

Eficiência X Eficácia



Judiciário entre Eficiência e Eficácia: o sentido da deriva hermenêutica no pós CR/88. [1]



1. Por que o subsídio dos juízes brasileiros, após a EC 45, é um dos maiores da América Latina? Ao pensar sobre este tema cabe a advertência de Milton Friedman: não existe lanche grátis! Dito de maneira mais direta: alguma coisa se esconde por detrás deste movimento, manifestamente ideológico. No pós Constituição de 1988 o Judiciário passou a responder com maior veemência às demandas populares, especificamente no cumprimento das promessas da Modernidade, na efetivação dos Direitos Fundamentais (Lenio Streck, Ingo Sarlet). Embora não tenha sido a pretensão do próprio Poder Judiciário, no pós/88 (Werneck Vianna), a magistratura passou a ser a alavanca de modificacões estruturais, com o aumento do “custo país”, a saber, a atividade econômica precisava compor o “custo da produção” com o fator Poder Judiciário, manifestado pelo binômio “previsibilidade” e “eficiência”. Isto porque houve uma postura de parcela significativa da magistratura no sentido da Justiça Social.
2. Cabe marcar que o “Princípio da Eficiência” produziu um câmbio epistemológico do Direito, tornando a forma de pensar a partir de meios, reproduzindo vítimas. Claro. Vítimas de um modelo de Estado do Bem Estar Social não realizado e que se encontra, paradoxalmente, em desconstrução. Dito de outra maneira, o Estado Social é imaginariamente desfeito sem nunca ter sido, efetivamente, erguido. Trata-se da destruição de ruínas-sociais. Jacinto Nelson de Miranda Coutinho sustenta: “Neste quadro, não é admissível, em hipótese alguma, sinonimizar efetividade com eficiência, principalmente por desconhecimento. Afinal, aquela reclama uma análise dos fins; esta, a eficiência, desde a base neoliberal, responde aos meios.” O discurso neoliberal promove, assim, uma “despolitização da economia”, como argumenta Zizek, abrindo espaço para que o significante da eficiência penetre no jurídico como sendo a nova onda redentora, verdadeiro “grau zero” (Barthes) da releitura do Direito. A economia acaba se tornando algo praticamente sagrado da Nova Ordem Mundial, sem que se possa fazer barreira pelo e no Direito (Avelãs Nunes). A eficiência inserida no caput do art. 37 da Constituição da República, percebida desde o ponto de vista de Pareto, Coase ou Posner, passa a ser o critério pelo qual as decisões judiciais devem, necessariamente, submeter-se. Não se trata mais de num cotejo entre campos – econômico e jurídico –, mas na prevalência irrestrita da relação custo-benefício. Este discurso maniqueísta entre eficientes de um lado e ineficientes de outro, seduz aos incautos de sempre, os quais olham, mas não conseguem perceber o que se passa. A questão é mostrar que este é um falso dilema, adubado ideologicamente (Julio Cesar Marcellino Jr). Sair deste quadro de idéias colonizadas é tarefa individual. Faz-se ao preço de um estudo sério que não se apazigua com frases feitas emitidas pelo senso comum teórico (Warat) e vendidas no mercado de decisões judiciais. Até porque as utopias da Modernidade não geram mais o engajamento de justificar uma razão para morrer. Um fim último, perdido no mercado das pequenas satisfações diárias, efêmeras, cuja satisfação não implica na prometida completude. Mesmo neste quadro parece que o engajamento se perde na preguiça e ausência de esperança de um projeto coletivo. O individualismo hedonista, nesta quadra, no campo do Direito Estético de hoje, esbarra no muro das lamentações, sempre. Os sonhos coletivos viraram souvernirs, mercadorias. Camisetas de “Che Guevara” sem que saiba quem é, ou o que representou... são um exemplo limítrofe.
3. Com efeito, a resposta ao questionamento, já antevista no Documento 319 do Banco Mundial, passava por Reformas pontuais e silenciosas. Não sem razão a publicacão da FGV e do Ministério da Justiça (I Prêmio Innovare) sobre o Judiciário chama-se: A Reforma Silenciosa da Justiça. Antônio Gramsci apontava que a cooptação dos intelectuais pelo Sistema Hegemônico era uma das estratégias de poder utilizadas para domesticar o pensamento crítico. A atualidade desta categoria se manifesta na maneira pela qual as decisões no âmbito do Poder Judiciário brasileiro se apresentam. O cotejo do Documento n. 319 do BID, dentre outros, aliada a frase de Milton Friedman de que o Direito é por demais importante para ficar nas mãos dos juristas bem demonstra a pretensão de pensamento único, neoliberal, em que o Poder Judiciário é metaforizado como uma grande orquestra, a saber, por um maestro (STF), com músicos espalhados nos diversos “instrumentos”. Estes músicos, ainda que arregimentados, eventualmente, por sua capacidade técnica e de reflexão, ficam obrigados a tocar conforme indicado pelo maestro, sob pena de exclusão da “Orquestra Única”. Não há outra para concorrer; ela é a portadora da palavra. Diz a Verdade. Ainda que alguns dos músicos pretendam uma nota acima ou abaixo da imposta, não lhe dão ouvidos, porque o diálogo é prejudicado. O slogam é: toque como queremos ou se retire. A “Orquestra do Poder Judiciário” ainda está em formação e a harmonia pretendida pelos donos do poder foi se adaptando por Emendas Constitucionais e Reformas Legislativas. Primeiro, claro, a (in)eficiência de um Poder paquidérmico, caro, oneroso, devolvido a sua grande missão: garantir os contratos e a propriedade privada, em nome da confiabilidade no mercado internacional. Para tanto foram articuladas diversas técnicas: 1) Súmula vinculante: por ela o maestro (STF) pode impor, definitivamente, a nota a ser tocada, retificando a interpretação mediante uma simples Reclamação, podendo, ainda, responsabilizar o músico juiz faltoso; 2) Reformas legislativas: a) abreviação do julgamento, mesmo sem o estabelecimento do contraditório; b) Relativização da coisa julgada inconstitucional (Paolo Otero iniciou e ganhou fôlego no Brasil), a qual quebra a ficção que se estabelece o Processo: a coisa julgada, bem sabia Carnelutti. A ficção maior do sistema, a coisa julgada, virou, também, flexível. Há uma reflexibilidade no ar... c) Repercussão Geral, em que se decide em bloco os temas ditos mais relevantes; d) jurisprudência dominante (CPC, art. 557); f) Súmula impeditiva de recurso (CPC, art. 518); g) julgamento do mérito sem processo (CPC, art. 285-A); ..., com o toque fundamental.
4. O fundamental, neste contexto, é a aplicacão das lições de Gramsci, a saber, era preciso cooptar os atores judiciais, e a melhor maneira de assim proceder é pagando bem. Diz o ditado popular que pagando bem mal não tem. E a sabedoria popular, no caso, pode ser invocada, porque com ela, entende-se o motivo de o subsídio dos magistrados ser o teto do funcionalismo. Assim, de um momento para o outro, sem alarde, a classe dos juízes, então pertencente ao que se denominava de média, ganhou um up-grade; passou a fazer parte da (Tropa de)Elite que consome e, então, passa a defender seus privilégios, os quais acabam se confundindo com os demais, ou seja, grande parte é farinha do mesmo saco. O lanche (subsídio e auxílio moradia), pois, não foi de graça! Pagou-se com a possibilidade do fim da Independência e da Democracia. O resultado efetivo foi um grande “cala a boca” nos juízes que passaram, não raro, a adotar uma postura mais complacente, sem alardes, nem contestações… de ver a banda passar cantando coisas de amor…
5. Isto contracena com o quadro de músicos formados por, pelo menos, dois corpos distintos. O primeiro de velhos músicos, na sua maioria acostumados e desde antes cooptados pelo poder, sem qualquer capacidade crítica e que ocupam os Tribunais da Orquestra. Talvez os “ceguinhos”, “catedráulicos” e “nefelibatas” apontados de Lyra Filho. Os segundos, mais jovens, bem demonstrou Werneck Vianna, fruto de uma pedagogia bancária (Paulo Freire), sem fundamentação filosófica adequada, alienados da dimensão humana e capazes de decorrar milhões de regras jurídicas, somente (Lédio Rosa e Andrade). Logo, incapazes, na sua maioria, de qualquer resistência constitucional, até porque formados na cultura manualesca. A ambos grupos, todavia, deve-se acrescentar dois fatores: a) a sedução cooptativa de um subsídio polpudo. Imaginariamente aderidos, vestem ou querem vestir Prada por possuírem, agora, condições financeiras de consumir. Curtir a vida de maneira diversa dos magistrados antes da Constituição/88. Viajam, compram, estão preocupados no consumo de objetos da moda. Aceitam facilmente o convite para adentrar neste mercado de ilusões, ficando, pois, na mais ampla ausência de gravidade, bem demonstou Charles Melman. Os novos carros do mercado, a nova coleção da estação ocupa o lugar de algo que pode importar, “consumindo”, por assim dizer, o sujeito do enunciado. Torna-se uma maria-vai-com-as-outras. Pensar e resisitr, para que? Quer gozar!; b) Este poder gozar, entretanto, cobra um preço. A alienação da capacidade crítica e uma obscena pretensão de eficiência, de quantidade, com pouca velocidade, na melhor linha da Análise Econômica do Direito (Posner). O sintoma desta situação se mostra na aderência sem precedentes aos precedentes, numa americanização da Orquestra Judiciária brasileira. De outro lado, também, cabe apontar que o poder gozar exige, cada vez mais, números de julgamentos, apresentações sinfônicas perfeitas, conforme a partitura, sem limites. Bulimina, stress, cardiopatias, baixa auto-estima, adições, dentres outras saídas, quando não budismo, induísmo, seitas, Juízes de Jesus, acabam se instalando.
6. Um exemplo disto pode ser colhido com a Lei da Arbitragem. Embora o Estado possua o monopólio legislativo, compartilha a produção de normas jurídicas com a esfera privada, cujos limites podem, por vontade, excluir qualquer regulamentação ou mesmo Jurisdição sobre o objeto do contrato. Isto pode ser feito mediante o estabelecimento de "cláusula cheia" de arbitragem, elegendo-se um Instituto Internacional qualquer como responsável pela arbitragem… O Poder Judiciário do Estado fica sem a possibilidade de decidir nada porque está fora da partida. Não joga! O Estado Nacional, neste contexto, serve apenas como a força policial que dá segurança fora e dentro do estádio, mas não entra em campo, salvo quando este está parado. Assim, o Judiciário pode ser chamado a fazer valer as decisões – que não discute o mérito – demonstrando que as normas nacionais, neste espaço de exceção que é a arbitragem, mormente internacional, são o sintoma do Estado eunuco. É evidente, pois, a privatização do Direito no contexto internacional. Dito de outra forma, eventual regulação nacional não influencia nos critérios manejados nas decisões que serão tomadas, pois não se comunicam com o direito interno, ou seja, ele é irrelevante. O ponto de contato é apenas formal, isto é, pela validação dos termos da arbitragem. Em tempos de crise financeira como atualmente, não sem razão, o Estado Nacional pouco pode fazer, justamente porque alijado da intervenção. E, ademais, como as Leis de Arbitragem seguem um modelo supranacional, resta pouca coisa a fazer. O resultado deste modelo é que as grandes questões comerciais não entram mais no campo da Jurisdição Brasileira, salvo quando se quer utilizar a força… o Judiciário é a força policial da arbitragem… Esta questão é por demais relevante porque é o sintoma da privatização do Direito, nas barbas (de molho) de todos… As reformas estruturais são silenciosas e eficientes…
7. Com efeito, o rompimento com o Estado-Nação implica uma nova relação entre o colonizador e o colonizado. Isto porque não se trata mais da proeminência de um Estado-Nação sobre outro, mas do deslocamento deste lugar para as formas motrizes do Mercado (Conglomerados, Bancos, Multinacionais, etc...) as quais se valem dos Aparelhos Ideológicos do Mercado para manter a situação de opressão, naturalizada. Uma metrópole sem rosto, nem etnia, representada pelo capital. Não há ninguém nos comandos justamente porque tal poder não existe, inexiste um Outro do Outro (Lacan e Zizek). Na última quadra do Século passado, todavia, diante do dito “progresso do neoliberalismo”, em nome do pode-tudo-que-quiser-em-nome-da-liberdade operou-se um declínio deste lugar de Referência, a saber, a norma deixou de ter a função de limitar a satisfação, entregue a um mercado vazio e iluminado de satisfações, em que tudo pode ser vendido e comprado, já que a categoria direitos fundamentais é extinta e tudo passa a ser direito de propriedade, chegando ao ponto de uma Anormia!
8. Anormia? Isto mesmo! Não se confunda com a noção sociológica de anomia porque se trata de algo vinculado à ausência de um “Ponto Fixo” (Melman) na construção da democracia. O estabelecimento da Lei, desde o ponto de vista da subjetividade (Freud e Lacan) depende da organização estrutural, ou seja, do reconhecimento de uma impossibilidade, evidenciada por uma dívida, jamais paga, a qual, por sua vez, implica o reconhecimento de uma autoridade. Esta autoridade, de seu turno, ao impor os textos normativos encontra-se no lugar de dizer algo… isto é, o que se compreende leva em conta o que o texto da autoridade pontua. Não se trata, assim, de descobrir a vontade da autoridade, nem muito menos a do texto, justamente porque isto é a demontração de uma psicose jurídica, a saber, gente que ouve a voz do Legislador ou mesmo o que um ente, no caso texto, diz! Gente assim embora precise de ajuda, vaga e julga todos os dias na ditas casas da Justiça do país, quem sabe incorporados de Schreber. Embora o texto não diga por si, deve entrar numa cadeia de sentido em que a tradição democrática evidenciada pela Constituição da República possa, no resultado hermenêutico, fazer valer, servindo de “constrangimento” (Lenio Streck, Jacinto Miranda Coutinho, Aroso Linhares). A organização estrutural da sociedade demanda um “Ponto Fixo”, ou seja, algo que vai ordenar o percurso e que durante muito tempo encontrou estofo no Estado e na Constituição, o qual proporcionava uma Referência à norma. A norma podia ser amada ou odiada, mas sempre fazia questão. Era a partir dela e de suas derivações impositivas, castradoras, limitadoras, que se organizam as condutas. E isto se perdeu em nome do Mercado.
9. Assim é que se pode, quem sabe, apontar a relação entre um Ministro que aparece na TV Justiça e um participante do Big Brother Brasil. Esta colocação que parece ser ingênua ou mesmo abusada, se tivermos calma, pode fazer sentido. Talvez por ela se possa entender, por qual motivo, vivemos no Brasil uma espécie de Anormia Hermenêutica, na qual o texto pouco importa em nome de decisionismos... O imaginário televisivo transformou a relação do sujeito com a mídia, especialmente porque ela proporciona, em nome da transparência da informação, aquilo que a psicanálise chama de “gozo escópico”, em que ver e ser visto acaba sendo o padrão de atuação. Pode ser que ao se perceber que o Direito não é Natural, mas construído pela sociedade, o sujeito possa, do seu lugar, sentir-se autorizado pela imagem que constrói de um lugar de exceção, quando não salvacionista. E aí tanto faz se da Constituição, da Moral e dos Bons Costumes ou de maneira não excludente de sua imagem narcísica. Neste imaginário coletivo em que o STF ocupa uma posição aparentemente por ele mesmo designada, de SUPREMO, a coisa possa passar por grandes problemas. E a TV Justiça abre o espaço para construir o imaginário coletivo. Uma simples passada pelo famoso site de vídeos youtube.com, digitando-se STF, deixa evidenciado que o principal item mostrado são as brigas, enfrentamentos e discussões ásperas dos Ministros, cuja função, neste lugar, não é outra senão a de fazer rir. Dito diretamente a jocosidade busca fazer rir, tanto assim que o vídeo denominado “Bate Boca no STF” já foi visto mais de 37 mil vezes...! Isto é um sintoma grave do que se passa e não pode ser tratado como uma simples curiosidade, justamente porque diferentemente de alguns ministros, outros preferem ou precisam apresentar-se como os salvadores da nação. Um sujeito deste, ao invocar a essência democrática em nome do sentimento do povo, do qual é o legítimo tradutor, o autoriza, por si, a criar o direito que imagina justo e verdadeiro, a despeito de qualquer amarra ou limite, ou seja, na maior missão salvacionista. E a história mostra o risco totalitário que isto representa.
10. Resistir a isto, todavia, é ir contra a maré das “Almas Belas” (Zizek), gente que em nome do politicamente correto, da aceitação das ditas evoluções sociais, aceita deferir toda-e-qualquer-pretensão para não posar de reacionário, totalitário e conservador. Aceita o jogo do mercado, fabricando e vendendo decisões conforme a moda da estação. Trata-se de um lugar, um lugar que deveria ser de Referência, um lugar cuja função é a de dizer, muitas vezes, Não! Entretanto, para que se possa dizer Não é preciso se autorizar responsável, embora o discurso do senso comum o desresponsabilize, coisa que a grande maioria não se sente, por se estar eclipsado em nome do direito do conforto. Este lugar do Julgador precisa ser ocupado com responsabilidade pelo que se passa na sociedade. Não para se tornar o salvador, o novo Messias, e sim para recolocar o Direito no lugar da Referência, de limite. Por aí se pode entender, quem sabe, pelo qual as posturas reacionárias, de indiferença, voltaram com todo o vigor. Pode ser que agora os juízes brasileiros estejam mais interessados nas viagens das próximas férias, em trocar de carro, em comprar as roupas da moda, porque, enfim, na contabilidade do capital, este foi o preço que se pagou. Existem, claro, os que se dão conta e que precisam apontar para isto. A estes se dirá que perderam o juízo... A grande maioria dos Juízes brasileiros não sei se vestem Prada, mas com certeza querem vestir!
11. A magnitude das questões econômicas no mundo atual implica no estabelecimento de novas relações entre campos até então complementares. Direito e Economia, como campos autônomos, sempre dialogaram desde seus pressupostos e características, especificamente nos pontos em que havia demanda recíproca. Entretanto, atualmente, a situação se modificou, especialmente após a crise financeira fabricada de 2008-2009, cujo temor autoriza violações abusivas aos Direitos Fundamentais. Não só por demandas mais regulares, mas fundamentalmente porque há uma inescondível proeminência economicista em face do discurso jurídico. Dito diretamente: o Direito foi transformado em instrumento econômico diante da mundialização do neoliberalismo. Logo, submetido a uma racionalidade diversa, manifestamente pragmática de custos e benefícios (pragmatic turn), capaz de refundar os alicerces do pensamento jurídico, não sem ranhuras democráticas. E é preciso resistir, apontando-se para a efetivação dos Direitos Fundamentais, ao invés da aderência irrestrita ao discurso sedutor e excludente do eficientismo!
12. Parece, assim, complicado em falar em Não desde dentro da Orquestra. Porque assim proceder pode significar a impossibilidade de gozar na esfera privada, mediante a mais-valia cobrada na esfera pública, tornando-se quase que o músico solista, incapaz de fazer frente à Orquestra Total. Fundar uma Orquestra paralela é impossível. Talvez, então, seja necessário sabotar a Orquestra Principal, assumindo-se, com Gramsci, a condição de intelectual orgânico. A questão é saber se se pode pedir dos magistrados brasileiros isto? Neste estado de coisas, talvez, o ato que se possa fazer seja o de apontar para a cooptacão e mostrar que ao mesmo tempo em que os atuais ganharam tudo, os novos magistrados, pós 2004, não terão mais aposentadoria integral, justamente foram estes que deram os aneis. A questão é que quando se dá os aneis, não raro, a mão vai junto... Por fim, caso tudo que falei tenha sido apenas uma projeção sem sentido para os outros, terei pelo menos a companhia imaginária de Barthes que disse: "A vida é, assim, feita a golpes de pequenas solidões.”

[1] (http://lattes.cnpq.br/4049394828751754). Texto apresentado por oportunidade do Encontro Cainã, em Petrópolis, Rio de Janeiro, 2009.

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